Discos para descobrir em casa - 'Outras caras', Leila Pinheiro, 1991

Discos para descobrir em casa - 'Outras caras', Leila Pinheiro, 1991

Capa do disco 'Outras caras', de Leila Pinheiro

Marcia Ramalho

? DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Outras caras, Leila Pinheiro, 1991

? Em 2020, Leila Pinheiro festeja 60 anos de vida – a serem completados em 16 de outubro – e 40 de carreira, iniciada em 1980 com a estreia do show Sinal de partida em Belém (PA), cidade natal de onde a artista migrou para o Rio de Janeiro (RJ) para gravar, entre junho de 1981 e agosto de 1982, o primeiro álbum, Leila Pinheiro (1983), lançado de forma independente, sem a menor repercussão.

Quando apresentou o quinto álbum, Outras caras, em 1991, a cantora paraense já contabilizava mais de uma década de trajetória profissional que ganhara visibilidade nacional em 1985 com a defesa do luminoso samba Verde (Eduardo Gudin e J. C. Costa Netto) no Festival dos festivais, exibido pela TV Globo.

Produzido pela própria Leila Pinheiro com Roberto Menescal, Outras caras foi disco pautado pela diversidade rítmica na linha libertária que seria seguida pela cantora em outros dois grandes álbuns de repertório variado, Na ponta da língua (1998) e Nos horizontes do mundo (2005).

Contudo, Outras caras interrompeu o fluxo de sucesso comercial alcançado por Leila com o álbum anterior, Benção Bossa Nova (1989), disco temático feito sob encomenda para o mercado japonês que contribuiu, ao ser lançado no Brasil, para a (re)descoberta do cancioneiro do sal, céu, sol e sul por novas gerações de ouvintes.

Ecos de Benção Bossa Nova reverberaram em Outras caras no registro cool e íntimo de Errinho à toa (Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, 1961) – canção lançada há então 30 anos – e nas abordagens suaves e aconchegantes das então inéditas versões em português de Tendrement (Erik Satie, 1902) e Call me (Tony Hatch, 1965), escritas por Nelson Motta para o disco, a primeira com o nome de Cenas de um amor e a segunda com a reprodução do título original em inglês Call me.

Além da bossa, o álbum Outras caras justificou o título ao expor várias faces do canto dessa intérprete de técnica apurada, já louvada em álbuns como Olho nu (1986) e Alma (1988). Sem se enquadrar em gêneros ou rótulos, a cantora deu voz na cadência do samba a um lado B do cancioneiro autoral de Guilherme Arantes, Bom humor (1989), por exemplo.

Com a voz precisa, Leila também se ambientou no tom invernal de Dona do castelo (Jards Macalé e Waly Salomão, 1974), na arquitetura outonal de Paulista (1990) – música de Eduardo Gudin e J.C. Netto, os mesmos compositores do samba Verde – e no clima mais quente e sensual de Feliz ano novo, flash carioca de réveillon onírico retratado nos versos de Aldir Blanc, parceiro bissexto de Roberto Menescal nessa composição regravada somente pela cantora portuguesa Amalia Baraona em disco de 2012 dedicado ao cancioneiro de Menescal.

O álbum Outras caras também marcou o primeiro encontro de Leila Pinheiro, em disco, com a obra magistral de Guinga, compositor carioca que começava a ser revalorizado pela MPB naquele ano de 1991 por conta da nascente parceria com Aldir Blanc – obra à qual Leila dedicaria, cinco anos depois, um (grande) álbum, Catavento e girassol (1996), ponto de excelência na discografia da cantora.

De Guinga, Leila reviveu em Outras caras a canção Noturna (parceria com Paulo César Pinheiro, lançada em disco em 1987 na voz de Alaíde Costa) em clima camerístico – em gravação adornada somente com o toque do violão de Marco Pereira – e apresentou a inédita Esconjuro, música valorizada por uma daqueles letras despudoradas e arretadas típicas de Aldir Blanc, autor dos versos abafados pelas cordas do arranjo de Eduardo Souto Neto.

Com suntuosidade ainda maior, o pianista Luiz Avellar arranjou samba exuberante, Eu quero ser amada, com o qual Leila se reapresentou como compositora bissexta no arremate de Outras caras, disco no qual a cantora fez bater Coração vagabundo (Caetano Veloso, 1967) com arranjo de Roberto Menescal.

Mais marcante em Outras caras foi o registro de Serra do luar (1981), música do compositor Walter Franco (1945 – 2019) à qual a cantora acoplou os versos lapidares – "Tudo é uma questão de manter / A mente quieta / A espinha ereta / e o coração tranquilo" – de Coração tranquilo (1978) com a adesão vocal do próprio Walter Franco.

Disco que apontou caminhos para o canto de Leila Pinheiro, Outras caras também mostrou a estrada de onde a artista viera no medley que, em feitio de oração, emendou Bom dia, Belém (Edyr Proença e Adalcinda Camarão, 1979) com o tema sacro Vós sois o lírio mimoso (Euclides Farias em adaptação de Leila Pinheiro).

Ouvido quase 30 anos depois do lançamento, o álbum Outras caras é o retrato perene da face mais livre dessa grande cantora do Brasil nos horizontes do mundo.
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