Crises reais e crises fabricadas

*Marta Bellini - Edição do Jornal do Porto impresso de 11-12-2020

Crises reais e crises fabricadas

Há mais ou menos 20 dias do Natal e da passagem para 2021, as expectativas festivas se esvaem nesta crise sanitária e política do país. Aproveito e releio o livro História da arrogância, do psicólogo Luigi Zoja, sobre as crises da sociedade contemporânea, esse mundo do ego que domina o plano material do comércio, da produção de bens, de conquista militar, de dinheiro circulando, da hýbrys, a arrogância.

Para Zoja a arrogância levou-nos à perda da emoção, à anulação do corpo ou um corpo sem cultura, à divinização do homem e estas levaram à destruição da natureza, à dissolvição dos costumes, ao empobrecimento das cidades sempre divididas em partes, a dos ricos, a dos pobres e das classes médias, ou melhor dizendo, da tragicomédia da denominação de "bairros nobres" e os outros, nada nobres. Como se fossemos aristocratas e um bando de servos ao redor nos importunando.

Apesar do progresso tão propalado pelas mídias e de suas mentiras sempre bem contadas, temos crises reais. A crise provocada pela Covid-19, crise ambiental, a crise da pobreza, a crise do capitalismo e temos as crises fabricadas como a crise da educação, a crise dos funcionários públicos, a crise da previdência, e mais crises que o ministério da economia planeja todo dia. As crises fabricadas são as estratégias para salvar a crise econômica ou seus donos, os banqueiros, os empresários e outros aliados.

As crises do esgotamento dos recursos naturais vindas da gula desenfreada do agronegócio, das queimadas abrasando animais vivos, o aumento da violência, dos suicídios de jovens – na fala de Roberto Gambini, prefaciando o livro de Zoya – "deixam de captar a presença de uma emoção que atravessa as almas" não orientando sentimentos ancorados no inconsciente. É como se tivesse acabado nossa sabedoria e, agora, estamos em um universo só de informações. É este o homem moderno. Bem informado. Mas nossa racionalidade não consegue resolver essas crises.

Vou descrever a crise da educação, hoje. Esta crise NÃO EXISTE. Esta crise é fabricada. As mídias ajudam na fabricação de um consenso. Vejamos:

1 – Os alunos são violentos. Batem em professores. Pergunto: quantos alunos são violentos e batem em professores? Todos? 50%? Quem fez a pesquisa sobre violência nas escolas? Lembrem-se das violências contra jovens pobres e negros de bairros periféricos. Ou da morte de duas primas, na semana passada, no Rio de Janeiro.

2 – Os professores ganham muito e trabalham pouco, disse o ministro da economia. Ora, o ministro dos oito livros sabe que os salários de professores de escola pública, aposentado com 30 anos de magistério, não passa de R$ 5 mil reais. Em alguns estados, é menor. Sabe também que, desde 2010, não há concursos para professores nem das escolas públicas, nem das universidades. Os estados produzem a precariedade do ensino. Quem não se lembra da PEC 241/2016, de Temer, que impede – por 20 anos – qualquer benefício às escolas e universidades até mesmo a construção de banheiros.

3 – A Base Nacional Comum Curricular, a BNCC, prevista na Constituição Federal de 1988, votada em 2017 e sancionada pelo atual governo federal, que deveria garantir educação de qualidade às novas gerações, é um engano homicida da educação. A aprovação desta BNCC foi feita por empresários da educação e apenas três educadoras não votaram no documento.

Mais, este documento é uma cópia do que já foi feito, várias vezes, nos EUA. Também neste país, a crise escolar foi inventada para possibilitar que empresários da educação pudessem fazer a proposição do ensino remoto e terceirização de professores.

Nos EUA, o relatório "Uma nação em risco" – A nation at risk – preparado pela Comissão Nacional de Excelência em Educação, de abril de 1983, com o presidente Ronald Reagan, alertava para a precariedade qualidade da educação, destacava vinte e três milhões de adultos analfabetos funcionais, descreviam que um quinto dos alunos de dezessete anos não conseguiam escrever um texto persuasivo e o desempenho médio dos estudantes em testes padronizados era pior do que antes do lançamento do Sputinick em 1957. Também responsabilizava diretores e professores por isso. Foi aí que empresários da educação propuseram a padronização curricular e uma agenda para a reforma educacional para o país.

O resultado foi desastroso. Em 1989, outra pesquisa mostrou as mentiras do relatório Uma nação em risco e, ao contrário, indicava altos níveis de escolarização. As máscaras caíram, mas os mascarados persistem. Afinal, mentir dá dinheiro.



*Professora aposentada da Universidade Estadual de Maringá. Com doutorado em Psicologia, mestrado em educação e graduação em Biologia, diletante em Literatura, uma ornitorrinco, tem a sorte de continuar a ser integrante do Grupo de pesquisa Science Studies CNPq-UEM, na mesma universidade, grupo interdisciplinar de pessoas da filosofia, pedagogia, biologia, física, psicologia entre outras áreas. Sindicalistas nos períodos necessários, teve a honra de participar com colegas de duas grandes greves, a de setembro de 2001 a março de 2002, e a de abril-maio de 2015, as duas contra privatização das universidades públicas do Paraná e a última, também contra a reforma da previdência, além, é claro, de lutar da dignidade salarial.