João Donato e Tulipa Ruiz parecem ter a mesma idade musical em show no Rio

João Donato e Tulipa Ruiz parecem ter a mesma idade musical em show no Rio
Pianista de 85 anos e cantora de 41 anos se irmanam e se afinam em apresentação que alterna com naturalidade composições dos dois artistas. Resenha de show

Título: Tulipa Ruiz & João Donato

Artistas: João Donato e Tulipa Ruiz

Local: Teatro Multiplan (Rio de Janeiro, RJ)

Data: 30 de janeiro de 2020

Cotação: * * * *

"Esse é o meu garoto", gracejou Tulipa Ruiz no palco do Teatro Multiplan após fala de João Donato ao fim do terceiro número da primeira apresentação em solo carioca do show que junta a cantora e compositora paulistana com Donato.

De origem acriana, o garoto já tem 85 anos e é compositor e pianista de toque singular. Aos 41 anos, Tulipa driblou a diferença de gerações e, apoiada na perene jovialidade do som de Donato, se irmanou e se afinou com o artista no show que estreou em agosto de 2019 no festival Bananada – para o qual foi criado – e que chegou enfim à cidade do Rio de Janeiro (RJ) na noite de 30 de janeiro, abrindo a agenda de shows de Tulipa em 2020.

Mesmo tendo atraído público pequeno que deu a impressão de ser ainda menor diante da imensidão da plateia do Teatro Multiplan, o show justificou a expectativa. Houve total interação entre os artistas, que ficaram o tempo todo juntos no palco, dividido com os músicos da excelente banda Pipoco das Galáxias.

Tanto por Donato fazer parte da formação musical de Tulipa como pelo fato de a bossa do pianista continuar nova e atual, a interação resultou natural. Nada soou forçado na apresentação, desde o primeiro número do roteiro – Gravidade zero (João Donato e Tulipa Ruiz, 2019), melodia dele com letra dela que pareceu flutuar com leveza no tempo e e no espaço – até o bis, feito com a mesma música que abriu o show.

Inspirada no filme norte-americano Gravidade (2013), estrelado pela atriz Sandra Bullock, Gravidade zero é o destaque dentre as músicas do single duplo lançado por Tulipa com Donato em agosto de 2019, em compacto de vinil e em edição digital.

A outra música é Manjericão, parceria de Tulipa com o irmão guitarrista e compositor, Gustavo Ruiz, integrante da banda Pipoco das Galáxias ao lado de Douglas Antunes (trombone), Samuel Fraga (bateria) e Gabriel Mayall (baixo), o Bubu.

Manjericão foi cantada na sequência de Gravidade zero e mostrou que, se Tulipa caiu bem no suingue de Donato, Donato também pegou bem a onda musical de Tulipa. Tanto que o roteiro alternou músicas dos repertórios dos dois artistas sem desequilibrar o show.

Em A bruxa de mentira (João Donato e Gilberto Gil, 1975), música sagazmente alocada no roteiro ao lado de Reclame (Tulipa Ruiz, Gustavo Ruiz, Caio Lopes, Márcio Arantes e Luiz Chagas, 2015), o pianista tirou sons tanto das teclas quanto da voz, cantando timidamente com o pleno domínio do idioma latino da obra que constrói desde os anos 1950.

Reclame é música do terceiro álbum de Tulipa, Dancê (2015), disco no qual a cantora se baseou no balanço de Donato ao compor Tafetá (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz, 2015), música feita para o muso inspirador e gravada com a participação realmente especial de Donato.

Tafetá apareceu no fim do show em número que ratificou a fina sintonia dos artistas e da banda ao tirar sons que, pela luxuosa presença de Donato em cena, acabaram puxados para o universo musical deste artista celebrizado pela mistura de música brasileira com ritmos da América Latina e com o jazz, evocado no sombrio clima bluesy de Víbora (Tulipa Ruiz, Gustavo Ruiz, Caio Lopes, Luiz Chagas e Criolo, 2012).

A costura igualmente fina do roteiro – no qual Tulipa embutiu o refrão de Nasci para bailar (João Donato e Paulo André Barata, 1982) em Só sei dançar com você (Tulipa Ruiz, 2010) – contribuiu para que o show Tulipa Ruiz & João Donato tenha fluído tão bem, com leveza e com graça potencializada pelas tiradas espirituosas de Donato.

O músico pareceu desde sempre habitar um universo particular em que o único ponto de contato com a terra é feito pela deusa música. E, se Donato já encarna uma divindade, Tulipa Ruiz soube dialogar no show com a entidade com a ampla bagagem vocal, também posta a serviço de músicas projetadas nos anos 1970, quando Donato se assumiu cantor no álbum Quem é quem (1973), uma das bases de roteiro que incluiu três parcerias de Donato com Gil – Emoriô, Tudo tem e a já mencionada A bruxa de mentira – lançadas no álbum Lugar comum (1975).

Projetada há dez anos com o álbum Efêmera (2010), Tulipa logo se impôs como grande cantora e, verdade seja dita, foi se aprimorando ao longo dessa década. A cantora está no auge vocal. O que lhe permitiu surfar radiante nas águas do tema vocalizado The frog (João Donato, 1967) – composição que somente viraria A rã sete anos depois ao ganhar letra de Caetano Veloso lançada na voz de Gal Costa no álbum Cantar (1974) – e fazer desabrochar com propriedade a Flor de maracujá (João Donato e Lysias Ênio, 1974), outra composição do repertório de Cantar, disco referencial na formação musical de Tulipa.

Em contrapartida, a cantora intensificou, no limite do drama, o registro da balada Até quem sabe (João Donato e Lysias Ênio, 1973), quase pecando pelo excesso. Nada que tenha empanado o brilho de apresentação em que Tulipa Ruiz e o garoto João Donato pareceram ter a mesma idade musical.

Eis o roteiro seguido em 30 de janeiro de 2020 por Tulipa Ruiz e João Donato na estreia carioca do show Tulipa Ruiz & João Donato no Teatro Multiplan, na cidade do Rio de Janeiro (RJ):

1. Gravidade zero (João Donato e Tulipa Ruiz, 2019)

2. Manjericão (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz, 2019)

3. A bruxa de mentira (João Donato e Gilberto Gil, 1975)

4. Reclame (Tulipa Ruiz, Gustavo Ruiz, Caio Lopes, Márcio Arantes e Luiz Chagas, 2015)

5. Chorou chorou (João Donato e Paulo César Pinheiro, 1973)

6. Proporcional (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz, 2015)

7. Flor de maracujá (João Donato e Lysias Ênio, 1974)

8. Só sei dançar com você (Tulipa Ruiz, 2010) /

Nasci para bailar (João Donato e Paulo André Barata, 1982)

9. The frog (João Donato, 1967)

10. Víbora (Tulipa Ruiz, Gustavo Ruiz, Caio Lopes, Luiz Chagas e Criolo, 2012)

11. Até quem sabe (João Donato e Lysias Ênio, 1973)

12. Efêmera (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz, 2010)

13. Tudo tem (João Donato e Gilberto Gil, 1975)

14. Tafetá (Tulipa Ruiz e Gustavo Ruiz, 2014)

15. Emoriô (João Donato e Gilberto Gil, 1975)

Bis:

16. Gravidade zero (João Donato e Tulipa Ruiz, 2019)