Autoajuda escandinava: Como livros que vendem felicidade nórdica viraram best-sellers

Autoajuda escandinava: Como livros que vendem felicidade nórdica viraram best-sellers

Obras com 'segredos' da Dinamarca, Suécia e Noruega estão entre as mais vendidas nos EUA e no Reino Unido. Estilo pode ajudar a lidar melhor com isolamento social. Bem-estar escandinavo envolve meias quentinhas, luzes, velas, doces e conforto

Gpointstudio/Cultura Creative/Cultura Creative via AFP

Noruega, Suécia e Dinamarca têm mais em comum do que estarem no norte da Europa, as temperaturas por volta dos 5ºC e a renda per capita acima de U$ 50 mil.

A "felicidade nórdica" é um conceito, que ganhou nomes como Hygge (Dinamarca) e Koselig (Noruega). Ganhou também a capa de livros de autoajuda, defendendo momentos de aconchego e bem-estar entre amigos e família.

Nos últimos anos e em tempos de crise como a da pandemia da Covid-19, essa autoajuda escandinava ganhou força com dicas de decoração e de estilo de vida.

Como esses países têm baixas temperaturas e passam boa parte do ano sem a luz do sol, as pessoas ficam muito tempo em casa. Nórdicos sofrem dos efeitos físicos e emocionais disso. O conceito pode ser uma chave para lidar com o isolamento gerado pela pandemia da Covid-19 .

Novo fenômeno literário?

Os livros sobre o segredo dinamarquês da felicidade começaram a ser publicados em 2016. No ano seguinte, já começaram a aparecer entre os mais vendidos no Reino Unido.

"O livro do hygge: O segredo Dinamarquês para ser feliz", de Meik Wiking, virou best-seller no início de 2017. "A gente não tem só que medir nossa riqueza por meio da economia, mas também pela felicidade", explica Wiking ao G1. "Assim, podemos saber como é o bem-estar real de um país."

Só na Amazon, há mais de 40 títulos sobre o Hygge. "Hygge - O Segredo Dos Dinamarqueses Para Uma Vida Feliz Em Qualquer Lugar", de Wiking, "O Segredo da Dinamarca", de Helen Russell, e "Hygge: O Segredo Dinamarquês para a Felicidade", de Maya Thoresen, foram traduzidos para o português.

Arte/G1

Izabel Aleixo, editora da Leya, foi a responsável pela versão brasileira de "O segredo da Dinamarca". Para ela, esse filão tem potencial para ir bem no Brasil: "É distante da nossa realidade por ser a Europa, mas estamos em uma tendência de pessimismo em relação ao país."

Livros de autoajuda costumam ocupar o topo das listas de mais vendidos. Nos primeiros meses de 2020, três deles estavam no top 5.

Finlândia, Dinamarca, Noruega e Islândia ocuparam, nesta ordem, as posições de países mais felizes do mundo no Relatório Mundial da Felicidade, de 2019. Ele leva em conta "medidas de bem-estar subjetivas" e variáveis sobre as condições econômicas e sociais.

Mas o caminho dos livros que vendem essa felicidade nórdica pode não ser tão fácil. "Muita gente acha que é mais fácil ser feliz na Dinamarca ou na Suécia pela condição sócio-econômica, então acaba passando direto", admite Izabel.

O que são o Hygge e o Koselig

A felicidade não é uma exclusividade da Dinamarca ou da Noruega. Mas embaixadores e especialistas dos dois países garantem que o que diferencia os nórdicos do resto do mundo é o empenho em buscá-la.

"As pessoas têm Hygge e se divertem em outros países. Mas na Dinamarca, a palavra tem uma conotação específica. Algo muito particular de nossa cultura e importante para os dinamarqueses", explica Nicolai Prytz, embaixador da Dinamarca no Brasil. A palavra Hygge surgiu na literatura dinamarquesa no começo dos anos 1800.

Para os nórdicos, companhia é ingrediente fundamental da felicidade

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Apesar de serem conceitos culturais amplos, o Hygge e o Koselig podem ser traduzidos para dois outros: conforto e simplicidade.

Prytz explica que é uma "maneira especial de estar juntos". "Quando você se diverte, costuma comer e beber na companhia de pessoas queridas. No geral, o aconchego é a expressão das simples alegrias da vida."

O 'Fika' da Suécia

Na Suécia, existe um conceito parecido, mas voltado para a refeição: Fika, uma mistura de café da tarde com coffee break, dedicado para café e socialização.

Suecos descrevem o Fika como um "tempo de qualidade". É um momento para se dedicar à refeição e geralmente desfrutado em companhia - de amigos, colegas, familiares ou parceiros. Assim como as refeições Hygge e Koselig", as "Fika" costumam ter doces, café, bolo e canela.

Os escandinavos defendem que o aconchego é um estado de espírito, mas é possível pegar ajuda do mundo material para construí-lo. No caso escandinavo, pelo frio e escuro constantes, há itens essenciais:

Velas

Doces

Café

Canela

Calorzinho

O conceito de felicidade para os escandinavos está ligado à sensação de conforto

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Segundo Nils Martin Gunneng, embaixador da Noruega no Brasil, há duas maneiras de atingir esse estado (Hygge ou Koselig):

A imediata: quando você se percebe em uma situação de Hygge ou Koselig;

A induzida: quando você prepara as condições para tornar um momento mais aconchegante.

Mas nada disso adianta se não vier acompanhado da consciência de que você está em um desses momentos.

Sociedade do bem-estar

Para além desses pequenos momentos, as sociedades nórdicas também valorizam o tempo para o bem-estar em detrimento de outras atividades.

O trabalho, por exemplo, não ocupa parte integral da rotina diária de uma pessoa. Na Noruega e na Dinamarca, a jornada de trabalho é de 37,5 horas por semana (No Brasil, é de 44 horas).

"Lá, é comum que as pessoas saiam cedo do trabalho para buscar os filhos na creche ou na escola sem medo de perder o emprego", conta Izabel Aleixo.

Copenhague, na Dinamarca, prioriza o uso de bicicletas

Rafael Miotto/G1

O sentido de comunidade contido no Hygge e Koselig também se estende à toda a sociedade. A Noruega foi o país menos desigual do mundo no último relatório da ONU, publicado em 2019 com dados referentes a 2018, seguida por Islândia (6º), Suécia (8º), Dinamarca (11º) e Finlândia (12º).

Aí fica mais fácil ser feliz, né?

Os países nórdicos também são referência em planejamento urbano. As quatro principais capitais da região - Copenhagen, Estocolmo, Oslo e Helsinque - ocuparam posições de destaque em rankings de cidades com melhor qualidade de vida em 2019.

Elas costumam oferecer muitas opções de transporte público, condições para transportes alternativos (como bicicleta, patinete e patins), ofertas de parques públicos bem conservados, além de acessibilidade.

Diante de tudo isso, é possível alcançar a felicidade em países que não têm as mesmas condições de vida que os escandinavos?

"Você pode dizer que os dinamarqueses estão felizes com suas vidas e as pessoas na América Latina são felizes em suas vidas", diz Wiking.

"Para que os latino-americanos sejam mais felizes com suas vidas, fatores como percepção de corrupção, poder escolher seu próprio caminho na vida, ter dinheiro suficiente para sustentar a si próprio e a família precisam melhorar nesses países."