Discos para descobrir em casa - 'E vamos à luta', Alcione, 1980

Discos para descobrir em casa - 'E vamos à luta', Alcione, 1980

Capa do álbum 'E vamos à luta', de Alcione

Anselmo Elias

? DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – E vamos à luta, Alcione, 1980

? Cantora da noite carioca, apresentada em 1975 como "a voz do samba" em bem-sucedida ação de marketing orquestrada por Roberto Menescal no posto de diretor da gravadora Philips, a maranhense Alcione ganhou o Brasil e viveu picos de popularidade em fins dos anos 1970.

Os álbuns Alerta geral (1978) e Gostoso veneno (1979) amplificaram o canto grave da Marrom. Sexto álbum de Alcione, E vamos à luta interrompeu o fluxo crescente de sucesso da cantora.

Batizado com o nome de (grande) samba então inédito de Gonzaguinha (1945 – 1991), E vamos à luta é disco de repertório menos empático, selecionado pela própria Alcione com autonomia então inédita na discografia da artista.

Aberto por Quadro de Ismael (Carlos Dafé e Jon Lemos), espécie de festa de arromba do samba, o álbum apresentou sambalada de tom romântico, Não me fale das flores (Chico Roque e Paulinho Rezende), sem o apelo popular de hits anteriores da cantora nessa linha sentimental.

Gravado sob direção do produtor Roberto Santana, o álbum E vamos à luta surtiu pouco efeito nas paradas. Sambas como Deus lhe ajude e a mim não desampare (Vevé Calazans e Nilton Alecrim) caíram logo no esquecimento, até mesmo da cantora.

Contudo, havia beleza em composições como o existencialista e resignado samba-canção A ponte, letrado pelo Paulo César Pinheiro sobre melodia de Elton Medeiros (1930 – 2019), bamba que também gravou A ponte em disco de 1980.

Samba solar, Meu dia de graça (Dedé da Portela e Sérgio Fonseca, 1975) – lançado cinco antes por Leci Brandão no álbum Antes que eu volte a ser nada (1975) – ganhou registro radiante de Alcione.

Com a mesma alegria e animação, a cantora baixou no terreiro afro-baiano com Olerê camará (Paulo Debétio e Joel Menezes) e entrou na roda do pagode com a regravação de Cheguei tarde (Tião Motorista, 1969), sucesso de Jair Rodrigues (1939 – 2014).

Em tom lacrimoso, Circo sem lona (Antonio Carlos e Jocafi), samba com clima de balada, denunciou o machismo imperante nas relações conjugais com versos como "Sabe como é? / O homem tem sempre razão / E eu sou a mulher", injustificáveis nos atuais tempos feministas.

No mesmo tom choroso, Retratação (Reginaldo Bessa) – outro samba lento sobre dores de amores – sinalizou que o repertório do álbum E vamos à luta poderia ter sido escolhido com maior rigor.

Em contrapartida, a presença de Cartola (1908 – 1980) como cantor no samba-canção Eu sei – numa das últimas gravações do compositor, que morreria em 30 de novembro daquele ano de 1980 – elevou o valor do álbum E vamos à luta. Até porque Eu sei é pérola rara do rosário de Cartola, já que o samba-canção nunca foi regravado desde então.

Encerrado com Resumo (Roberto Corrêa e Sylvio Son), mediano samba-choro biográfico em que Alcione rememorou a trajetória até o estrelato com flashes do cotidiano familiar na infância, o álbum E vamos à luta acabaria sendo rapidamente esquecido.

Sem reeditar o sucesso dos anos 1970, a cantora gravou mais dois álbuns na Philips e se transferiu para a gravadora RCA, onde viveu, a partir de 1982, outra fase bem-sucedida na carreira, com ênfase em baladas românticas e com repertório pautado por maior diversidade rítmica, da cor do Brasil.

Para os primeiros seguidores da Marrom, álbuns como E vamos à luta ficaram na memória e na história como retratos perenes de tempos idos na discografia de Alcione.