Crítica | Fangio: O Rei das Pistas mostra a importância de um legado

Crítica | Fangio: O Rei das Pistas mostra a importância de um legado

Na Fórmula 1, Juan Manuel Fangio foi campeão em cinco temporadas – um recorde que só foi batido quase meio século depois, por Michael Schumacher. Além disso, ele detém a maior porcentagem de vitórias na modalidade (46.15%): 24 das 52 corridas que participou.

Fangio é único piloto argentino que venceu a Grande Prêmio da Argentina, tendo ele vencido quatro vezes em sua carreira. Em sua biografia, diz-se sobre os dois pilotos posteriores que ele mais admirava: o britânico Jim Clark e Ayrton Senna.

Cuidado! A crítica pode conter spoilers!

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Entrentando as adversidades

Fangio: O Reis das Pistas(disponível na Netflix),com poucas cenas de reconstituição, procura contar a trajetória de um dos melhores pilotos da história e começa a se destacar sem muita demora. Isso porque a abertura é especialmente eficiente ao interromper a calmaria de uma criança andando em sua bicicleta em meio a paisagens idílicas com um carro levantando a poeira e iniciando a condução pela vida de Fangio.

Nesse momento e durante todo o documentário, alguns depoimentos começam a contornar a situação e eles parecem confirmar o público-alvo, que é formado por amantes do automobilismo.

"Com um carro levantando a poeira." (Imagem: Captura de tela/Sihan Felix)

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Essa confirmação se dá porque não há letreiro para indicar quem são aquelas pessoas: Jackie Stewart, Alain Prost, Mika Häkkinen, Fernando Alonso, Nico Rosberg e... Senna. Existe uma segurança de que o espectador irá acreditar no que elas estão dizendo ou a consciência de que são figuras reconhecidas dentro da temática.

Senna, inclusive, finaliza a abertura. Ele, que é considerado por muitos o maior da história – inclusive por alguns que comentam ali –, quando perguntado sobre quais dos colegas são mais admiráveis, não cita ninguém de sua era. O brasileiro volta ao passado e, sem demora, diz: "Um dos maiores pilotos de corrida de todos os tempos é Fangio."

Senna: "Um dos maiores pilotos de corrida de todos os tempos é Fangio." (Imagem: Captura de tela/Sihan Felix)

Funciona como uma bênção para que a montagem de Luciano Origlio (de Tango en París. Recuerdos de Astor Piazzolla) introduza Fangio comentando sobre sua própria vida, sobre, desde pequeno, ter querido ser sempre o melhor – algo que aproxima os dois (ele e Senna) em um nível muito pessoal. Ao mesmo tempo, "o homem que domava as máquinas" (como diz o subtítulo original em tradução livre do espanhol) em muito se parece com a postura de Senna ao domar o carro e ao enfrentar as adversidades sem fugir delas. Pelo contrário: Fangio e Senna insistiam no que tinham de mais deficiente para a dificuldade se tornar um trunfo. Assim era Fangio com os carros e assim era Senna debaixo de chuva.

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Não é somente sobre automobilismo

Para além dessa abordagem direcionada primeiramente a um público específico, a direção de Francisco Macri (de #SodaCirque, de 2017) não investe em qualquer tratamento diferenciado. Existe uma dinâmica muito clássica na condução de Macri, uma formalidade que, de vez em quando, beira o didatismo – que felizmente é subtraído pela profundidade que os depoimentos alcançam.

Isso acontece porque não existe uma necessidade de contar a história do Fangio atleta para além do que já é bem conhecido inclusive por meio de outros muitos filmes (como o ótimo Fangio: Una vita a 300 all'ora – de Hugh Hudson, 1980). Macri está interessado no homem e não na lenda. As poucas obviedades ditas pelos entrevistados são encobertas por detalhes particulares que transformam aqueles campeões – super-heróis para tantos – em pessoas comuns.

Essa humanização separa definitivamente o homem da máquina, trazendo à tona o subtexto do que é o automobilismo hoje: de fato, totalmente diferente da época de Fangio, Senna e até de Häkkinen, mas que exige um funcionamento das peças humanas de maneira fundamental – e ali está Rosberg como o depoente recente, além de menções a Lewis Hamilton.

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Jackie Stewart: um dos gigantes. (Imagem: Captura de tela/Sihan Felix)

As comparações entre as eras são um dos pontos mais interessantes de Fangio: O Rei das Pistas e são sempre realizadas com um respeito enorme ao passado e ao presente, com uma ideia sempre respeitosa sobre o homem e artisticamente distanciada da noção equivocada de homem-máquina. Dentro dessa perspectiva, outro subtexto surge: o legado deixado pelo piloto argentino. Essa herança, que é inegável e vai de Stewart a Hamilton, passando por Senna, Prost, Häkkinen, Alonso, Rosberg e tantos outros, conduz o respeito à história e a importância desta para a construção de um campeão – de um futuro sólido em qualquer área. O documentário acaba, assim, de forma clássica como o homem retratado, fechando-se em uma unidade e atestando a importância de se aprender com gerações passadas – algo que não diz respeito somente ao automobilismo.

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