A rotina de locomoção de um cadeirante em uma cidade com pouca acessibilidade

Deficientes físicos ou pessoas com mobilidade reduzida enfrentam, diariamente, desafios de locomoção e dependem de ajuda de outras pessoas

A rotina de locomoção de um cadeirante em uma cidade com pouca acessibilidade

Redação do Jornal do Porto acompanhou o trajeto de trabalho do técnico de futebol do PFFC

O direito de ir e vir é garantido em nossa Carta Magna (artigo 5º, XV) e também é conferido a todo cidadão pela Declaração dos Direitos Humanos da ONU, assinada em 1948. Com a Constituição de 1988, o Estado brasileiro passou a ter a obrigação de propiciar um contexto favorável para o desenvolvimento das potencialidades de cada habitante do País. Especificamente no que diz respeito ao direito à acessibilidade, estabelece a Constituição Federal que:

"Art. 227. §2º. A lei disporá sobre normas de construção de logradouros e dos edifícios de uso e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência".

E, ainda: "Art. 244. A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme disposto no art. 227, §2º".

Um dos direitos mais importantes de qualquer cidadão é a garantia da acessibilidade, direito esse afirmado e reafirmado na Constituição. No entanto, quais são as reais condições de acessibilidade garantida às pessoas? Seja elas cadeirantes ou com mobilidade reduzida? Todas as pessoas, sem distinção, devem ter seus direitos garantidos de ir e vir não apenas dentro de prédios com adaptações, mas, inclusive, em todos os ambientes urbanos.

Para referendar tudo isso há ainda a Lei nº 10.257/01 (Estatuto das Cidades), que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelecendo diretrizes gerais da política urbana, garantindo o direito às cidades sustentáveis (direito à terra urbana, moradia, saneamento ambiental, infraestrutura urbana, transportes e serviços públicos, trabalho e lazer) para as gerações presentes e futuras.

Ressalte-se, ainda, a existência de comandos presentes nas Normas Técnicas de Acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT (tendo a NBR 9050:2004, uma grande parcela das exigências em matéria de acessibilidade, a qual encontra-se em um processo de atualização.

Retomando a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 182 estabelece, ainda, a Política de Desenvolvimento Urbano, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade. Em 2001, foi aprovado o Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal/88 e estabelece diretrizes gerais da política urbana, determinando, entre outras exigências, o estabelecimento, em cada Município, da função social da cidade e da propriedade urbana, respeitando sua individualidade, vocação, defendendo os elementos necessários para o equilíbrio entre os interesses públicos e privados de seu território. Dentro dessa função social da propriedade aparece a obrigatoriedade do ambiente acessível, deixando de ser uma exigência apenas para as edificações e espaços públicos, mas também para aqueles privados de uso coletivo, além daquelas de uso multifamiliares, como bem exposto na Lei 10.098/00, no Decreto 5.296/04 e na NBR 9050:2004.

Portanto não cabe mais dizer que todas essas obrigações são do Estado, ou se bem que sejam, cabe esclarecer que é o Estado.

O Estado é organização destinada a manter, pela aplicação do Direito, provendo as condições essenciais para a ordem social. Lembrando-se que o Direito é o conjunto de normas, princípios e regras que velam e protegem as condições existenciais da sociedade, que o Estado cumpre assegurar. Assim sendo, toda organização social é o estado, seja ele município, distrito, organização familiar dentre outros, conforme concebe o Direito.

Dessa forma, após todas as reflexões e legislações ora trazidas, é importante ressaltar que todos os trechos de estradas que passem por áreas urbanizadas devem ter calçadas perfeitamente acessíveis, com sinalização adequada, incluindo semáforo e outros quesitos que permitam a circulação de todas as pessoas. Entretanto, isso não é uma realidade na maioria dos municípios, e em Porto Ferreira não seria diferente.

Na última sexta-feira (11), a Redação do Jornal do Porto acompanhou a rotina de Josinaldo Amaro dos Santos, técnico do Porto Ferreira Futebol Clube, nascido em abril de 1985 em Roteiro, no estado do Alagoas.

Em seu primeiro ano de vida, o alagoano, que já comanda equipes do PFFC há duas temporadas, foi vítima de paralisia infantil, condição física que traz a ele desafios até os dias de hoje, principalmente o de se locomover com sua cadeira de rodas nos diversos trechos pouco acessíveis da cidade.

A reportagem acompanhou a rotina de Josinaldo, desde a saída de sua casa até a chegada ao trabalho e pôde compreender quais são as dificuldades enfrentadas. Sabe-se que o cadeirante deve andar pela calçada – o que às vezes pode ser complicado, devido à falta de acessibilidade. Porém, não existe nenhuma lei ou regulamento que proíba o cadeirante de circular por algum espaço público. Todavia, na prática, ciclovias ou ciclofaixas têm servido como faixas de acessibilidade para cadeirantes em várias cidades brasileiras.

Scooters e cadeiras motorizadas dificilmente serão categorizados como ciclomotores, já que as normas estipulam uma velocidade baixa para esses produtos. Portanto, estes veículos podem ser utilizados tanto na calçada quanto na ciclofaixa, fica a critério do usuário, considerando as condições de acessibilidade das duas opções.

Contudo, o uso de ciclovias por usuários de cadeiras de rodas é um improviso, e pode gerar riscos de acidentes.

No caso de Josinaldo, ainda há mais obstáculos: morador do Jardim Esperança, bairro periférico do município, para chegar na sede do clube onde trabalha precisa passar por duas rodovias, seja atravessando por solo ou por meio da passarela, que exigiria ainda mais esforço físico do cadeirante, caso o seu meio de locomoção não fosse motorizado.

Deficientes físicos ou pessoas com mobilidade reduzida enfrentam, diariamente, desafios de locomoção e dependem de ajuda de outras pessoas, seja em espaços públicos ou privados, conforme já citado no estatuto das cidades. Mas vale ressaltar que a ajuda tem que ser para incluir essas pessoas na sociedade dando-lhes liberdade de ir e vir como preferirem, e não os deixando como dependentes de serviços ou pessoas.

Podemos citar como exemplo as adaptações de pequeno porte que os estabelecimentos comerciais podem realizar, tais como instalar rampas de acesso ao estabelecimento, organizar corredores com larguras já estabelecidas pelas normas da ABNT, adaptações pequenas e de baixo custo, porém que auxiliam na inclusão das pessoas com mobilidade reduzida ou cadeirantes.

Assim, fica evidente que incluir as pessoas não é apenas um discurso vazio e que o mais importante é que a inclusão seja de fato uma preocupação de todos os membros da sociedade.