Conheça as memórias de Ocimar Francatto, o sacerdote que aprendeu a ser padre em Porto Ferreira

Publicada no JORNAL DO PORTO dia 14-4-2022

Conheça as memórias de Ocimar Francatto, o sacerdote que aprendeu a ser padre em Porto Ferreira

"Tão cedo passa tudo quanto passa!", assim definiu um dos heterônimos de Fernando Pessoa a passagem do tempo e as incertezas da vida. Sabemos que estamos todos de passagem e as memórias, assim como as pessoas que nos marcam, são o que ficam.

A missão do sacerdote e de todos os que se dedicam a propagar os valores e ensinamentos de sua fé, tal qual o tempo, é o de passar, avançar, caminhar, percorrer lugares. E assim, por quase quatro décadas, tem sido a vida do padre Ocimar Francatto.

Pároco por 27 anos da Matriz de São Sebastião, em Porto Ferreira, seguiu seu caminho em 2011 e deixando cravado na memória de gerações de ferreirenses, seu carisma e sabedoria.

Nascido em outubro de 1958, na cidade de Araras, Ocimar sempre se destacou nos estudos. Se formou em Teologia, Filosofia e História. Seguiu estudando e concluiu pós graduação em Liturgia. Chamado pela vocação a Igreja, tornou-se padre em 20 de dezembro de 1983.

Em sua ordenação, não sabia ao certo para que município seria enviado e que, apenas descobriu que viria para Porto Ferreira, quando avistou o Padre Pavesi entrando na Igreja em que se daria a celebração.

Padre Ocimar chegou em Porto Ferreira no dia 16 de janeiro de 1984, com apenas 26 anos de idade. Seu objetivo era permanecer na cidade por um ano auxiliando o Padre Pavesi, já debilitado em suas tarefas religiosas. Após esse período, o jovem padre nutria planos de realizar uma missão na Bélgica, chegando a estudar francês, idioma local.

Apenas alguns meses de sua chegada, no dia 5 de abril de 1984, o famoso padre Pavesi morria a caminho de Ribeirão Preto. Ocimar relembra a figura do padre que apesar da fama de ríspido, foi muito acessível com ele. "Costumávamos tomar café junto, íamos para o Gerola junto comer pizza. Eu senti muito com a morte dele".

Na mesma semana da morte de Pavesi, relembra o padre Ocimar, Dom Tarcísio, bispo à época, renunciou ao posto. "Ficamos sem pároco e sem bispo". Com a chegada de Dom Fernando, sucessor da diocese, padre Ocimar contava em ser transferido de Porto para que pudesse seguir os planos de se mudar para a Bélgica, entretanto, o novo bispo pediu para que ele permanecesse mais um pouco junto à comunidade ferreirense. "A gente dispõe, Deus propõe".

A oportunidade de se mudar veio, porém já era tarde. "Quando ele [o bispo] me propôs a sair, não quis mais". Padre Ocimar iniciava aí uma longa trajetória na cidade, que o recebeu ainda jovem e o acolheu por quase três décadas. "Fui lá pra ficar um ano, fiquei 27 anos".

"Eu digo sempre que o primeiro amor é que marca a gente, e a paróquia de São Sebastião foi a minha primeira paróquia, lá que eu aprendi a ser padre, tinha a teoria, não tinha a prática".

Em todo este período, Padre Ocimar, "junto ao povo", como faz questão de repetidamente lembrar, ajudou a desenvolver e fortalecer as instituições religiosas na cidade, expandiu a fé cristã, formou paróquias, descentralizou as celebrações, formou novas lideranças religiosas, construiu comunidades, levou a igreja para a periferia. "A igreja acontece na comunidade". Neste momento, lembrando das dificuldades para formar novas comunidades, uma lembrança engraçada surge. Ocorreu que na Comunidade de Santa Rita, conhecida à época como Capela de Santa Cruz, que passava por uma reestruturação, as celebrações no local foram interrompidas. Para não paralisar os encontros com a comunidade, conseguiu-se uma chácara próxima para as celebrações. Entretanto, como conta Ocimar, havia um porém: o único local disponível era o galinheiro.

"Então dividimos o galinheiro no meio, a gente de um lado, as galinhas do outro. Engraçado que a missa não podia passar das 17 horas, porque as galinhas queriam começar a dormir e era um barulho terrível. Missa do galo não, missa das galinhas".

Um dos pontos mais importantes de toda a trajetória do Padre Ocimar na cidade foi a criação do COJAC, o famoso grupo de jovens da Matriz de São Sebastião. Ele conta que, certo dia, propôs ao jovem Paulo Carvalho, a criação de um grupo para a juventude ferreirense. "Para nossa surpresa, na primeira reunião apareceram 91 jovens".

O grupo foi responsável por diversas ações, como a organização da Missa das Crianças, os famosos teatros da Paixão de Cristo, que ocorriam na Sexta-feira Santa e até mesmo um jornal de circulação comunitária, o Mosaico Jovem. Além disso, Padre Ocimar recorda que muitos casais se conheceram e se formaram a partir dos encontros. "O COJAC foi uma história muito bonita, eu tenho muita saudade".

As famosas celebrações de Corpus Christi também estão na memória de muitos ferreirenses. Segundo Ocimar, a comunidade na época resgatou a tradição de enfeitar as ruas. "A cada quarteirão nós retomavamos o tema da campanha da fraternidade, e sempre tinha um coral cantando. Nos últimos anos, resolvemos fazer com alimentos para doação. Em um ano arrecadamos 9 toneladas de alimentos. O povo de Porto Ferreira é um povo fantástico, o povo sempre colaborou muito" .

Essa solidariedade e promissora acolhida, que o Padre Ocimar deseja para o futuro de Porto Ferreira. "Eu espero no futuro que Porto continue sendo uma cidade acolhedora, Porto sempre foi muito acolhedora".

Durante todo o tempo que esteve aqui, Ocimar cumpriu sua missão junto à comunidade ferreirense. "Eu fiquei 8 anos sozinho, como o único padre da cidade. Quando eu fui embora, eu pedi um levantamento de quantos casamentos e batizados eu tinha feito aqui. Foram mais de 11 mil batizados e mais de 4 mil casamentos", conta ele. "Eu batizei a pessoa, casei essa pessoa e batizei o filho dessa pessoa", completa.

Nas incertezas da vida, no certo pelas linhas tortas, na missão de seguir e deixar marcas, Padre Ocimar permanece presente na lembrança de muitas famílias que ajudou a unir, no legado material e espiritual que deixou, na memória coletiva da cidade. "Porto Ferreira está no meu coração como um primeiro amor. Se eu sou o que sou hoje, eu devo muito aquele povo. É um filho que retorna a casa, é isso que eu sinto quando eu visito Porto. A minha vida foi feita junto com o povo de Porto Ferreira, não tem como esquecer, não tem como esquecer".

"Desejo uma páscoa de alegria e de paz. Paz que começa com você, a paz interior, depois de quem está mais perto, para a família, para a comunidade, para toda a cidade".

O projeto Porto de Memórias foi idealizado pelo ferreirense e jornalista Felipe Lamellas e se propõe a contar histórias de vida de personalidades marcantes para a cidade, conhecidas ou não. O objetivo principal é resgatar e preservar a memória da comunidade local, contando histórias, causos e lembranças de membros da sociedade, que se confundem com a própria história da cidade.