Ativistas pedem que Apple desista de sistema que analisa imagens suspeitas de abuso infantil ao serem enviadas ao iCloud

Ativistas pedem que Apple desista de sistema que analisa imagens suspeitas de abuso infantil ao serem enviadas ao iCloud
Especialistas em privacidade e segurança dizem que a solução poderia ser usada para buscar conteúdos genéricos e para governos perseguirem opositores. Empresa diz que não aceitará pedidos de autoridades para rastrear outros conteúdos. Logo da Apple

REUTERS/Lucy Nicholson

Mais de 90 grupos ativistas pelo mundo publicaram uma carta aberta na última quinta-feira (19) pedindo que a Apple abandone seus planos de escanear mensagens de crianças em busca de nudez e os telefones de adultos por imagens de pedofilia.

"Embora esses recursos tenham a intenção de proteger crianças e reduzir a disseminação de material pedófilo, estamos preocupados que eles sejam usados para censurar discurso protegido, ameaçar a privacidade e a segurança de pessoas do mundo inteiro, e ter consequências desastrosas para muitas crianças", escreveram os grupos na carta.

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Entenda a polêmica

A Apple anunciou dois recursos distintos:

Leitura por meio de uma inteligência artificial das mensagens recebidas pelo iMessage de menores de idade para identificar há nudez em imagens. O recurso precisa ser habilitado pelos pais e caso a companhia detecte imagens consideradas sensíveis, a foto ficará borrada. Se o aparelho for usado por menores de 12 anos, os pais serão notificados caso o menor visualize a mensagem.

Detecção de material de abuso sexual infantil (ou CSAM, na sigla em inglês) no iCloud. A Apple diz que irá consultar banco de dados de autoridades que contenham imagens de abusos de menores e irá cruzar essas informações em uma varredura nas fotos armazenadas na nuvem do iCloud. A companhia afirma que não irá utilizar esse sistema para nenhum outro fim, mesmo que autoridades de países solicitem.

A adoção do sistema pela Apple foi alvo de críticas de alguns especialistas em privacidade e segurança. Eles afirmaram que a solução também poderá ser usada para buscar conteúdos genéricos e para governos perseguirem opositores.

Alguns signatários de outros países estão preocupados com o impacto das mudanças em nações com sistemas legais diferentes, incluindo alguns que já são palco de discussões acaloradas sobre criptografia e privacidade.

"É decepcionante e perturbador que a Apple esteja fazendo isso porque eles foram aliados ferrenhos na defesa da criptografia no passado", disse Sharon Bradford Franklin, co-diretora do Projeto de Segurança e Vigilância do Centro, à agência de notícias Reuters.

Um porta-voz da Apple afirmou que a empresa abordou questões de privacidade e segurança em um documento, delineando porque a arquitetura complexa do software de escaneamento deveria resistir às tentativas de subvertê-lo.

Os signatários incluem vários grupos no Brasil, onde os tribunais bloquearam múltiplas vezes o WhatsApp, do Facebook, por não descriptografar mensagens em investigações criminais.

O Congresso discute a possibilidade de que mensagens sejam rastreáveis no projeto de lei apelidado de "PL das fake news", o que exigiria uma maneira de marcar o conteúdo. Uma lei similar passou na Índia este ano.

"Nossa principal preocupação é a consequência desse mecanismo, como ele pode ser estendido a outras situações e outras empresas", afirmou Flávio Wagner, presidente do braço independente do Brasil da Internet Society, um dos grupos signatários, que também incluem índia, México, Alemanha, Argentina, Gana e Tanzânia.

Embora a maioria das objeções seja em relação ao mecanismo de escaneamento, a carta também aponta uma falha na mudança às contas do iMessage, que tentaria identificar e borrar a nudez em mensagens de crianças, permitindo que elas vissem apenas se os pais fossem notificados.

Surpresa pela reação negativa após o anúncio duas semanas atrás, a Apple ofereceu uma série de explicações e documentos para argumentar que o risco de falsas detecções é baixo.

Os signatários afirmam que isso pode colocar em risco crianças que vivem em casas intolerantes ou que estão procurando material educacional. Mais amplamente, dizem que a mudança quebraria a criptografia do iMessage, que a Apple defendeu com firmeza no passado.

"Se essa porta for construída, governos podem obrigar a Apple a estender a notificação para outras contas e detectar imagens que são questionáveis por outros motivos, não por serem sexualmente explícitas", diz a carta.