Alguma coisa está fora de ordem

Coluna publicada no JORNAL DO PORTO dia 4-6-2021

Alguma coisa está fora de ordem

Nenhum lucro, mesmo ínfimo, para trás, é a palavra de ordem de empresários globais, embora velha estratégia dos empresários brasileiros. Acabei de ler o capítulo "Empresários e rentistas", de Cristina Zurbriggen, no livro Corrupção, ensaios e crítica, da Editora UFMG, vemos que a relação empresários x políticos e burocratas não se resume à troca de favores como dar emprego às famílias de políticos e burocratas ou viagens por apoio eleitoral. Esses grupos são caçadores de renda, atuam e interagem nos marcos institucionais e são experts em redes de caça às rendas ou recursos do Estado e pautam nosso modo de ver as relações Estado, governos e população. Deixam de ser relações sociais, relações de predadores, para serem naturalizadas, "normais".

Os exemplos vão dos mais simples ao mais complexo. Simples entendo as capas dos jornais O Globo e o Estado de São Paulo de domingo, dia 30/5, após as manifestações pró-vacina e contrarreformas. Os jornais têm compromissos com empresas e estes grupos, certamente, não contribuem com jornais que mostram os protestos pelo impeachment com o presidente.

Mais complexos são os grupos de empresários, como já escrevi em coluna anterior, que colaboraram para o golpe da presidenta Dilma. Um deles, bem grande, foi aos EUA, copiar um documento da educação para escrever a Base Nacional (Comum) Curricular, a BNCC, para reintroduzir a educação e o ensino dos anos 20 do século XX, e triturar o ensino público de qualidade e propor um ensino do século XIX misturado com aplicativos para crianças de famílias ricas e aplicativos simples para as pobres.

Há mais complexidade ainda. São tão escabrosas quanto os crimes diários que vemos no país, pandemia descontrolada com aceite da Copa América insistência da CBF e aceita pelos ministros militares do presidente e ele próprio. Insanidade, mas a CBF é plutocrática, governa para as classes mais abastadas da sociedade. Caça rendas, não importa se temos quase 470 mil mortos e a terceira onda já está presente em muitos estados.

Parece que o único a protestar contra a crise proposital sanitária pelo Brasil foi o inglês Hamilton, excelente automobilista. Os jogadores brasileiros irão tomar a vacina, dizem os ajudantes do caça renda mor, a CBF, mas 15 dias antes, sem efeito imunogênico para o jogo, e no lugar de professores e trabalhadores de setores penalizados como metrô, aeroportos e outros.

É interessante aqui entender que a rápida aceitação do governo federal é fruto da precária legitimidade do Estado de Direito que, permite a aplicação de políticas públicas ao interesse dos empresários.

Ah, CBF não é política pública. De certa forma é. Serão mobilizados trabalhadores privados e também públicos a preço de banana enquanto recursos escoarão, mesmo que não saibamos, para as mãos de empresários. Os jogadores, ou a maioria deles, vão junto daqueles que os têm com contratos com outras empresas e produtos da moda. Dinheiro e caça à renda.

Quantos mortos teremos depois da Copa América, ou mais claro, da Copa da CBF? Um domingo do Dia das Mães, fez pular para o alto o número de mortos no Brasil. Chegarão no país mais de 650 pessoas entre times, cozinheiros, treinadores, massagistas, burocratas. Com vacina ou sem? Ora, estão vindo de países com problemas quase igual ao nosso.

É o império dos caça às rendas. Viva a predação do dinheiro e da população adoecida, lema dos governantes.

*MARTA BELLINI

*Professora aposentada da Universidade Estadual de Maringá. Com doutorado em Psicologia, mestrado em educação e graduação em Biologia, diletante em Literatura, uma ornitorrinco, tem a sorte de continuar a ser integrante do Grupo de pesquisa Science Studies CNPq-UEM, na mesma universidade, grupo interdisciplinar de pessoas da filosofia, pedagogia, biologia, física, psicologia entre outras áreas. Sindicalistas nos períodos necessários, teve a honra de participar com colegas de duas grandes greves, a de setembro de 2001 a março de 2002, e a de abril-maio de 2015, as duas contra privatização das universidades públicas do Paraná e a última, também contra a reforma da previdência, além, é claro, de lutar da dignidade salarial.