Decisão da Justiça em Ribeirão Preto diz que decreto sobre fase emergencial é inconstitucional

Decisão da Justiça em Ribeirão Preto diz que decreto sobre fase emergencial é inconstitucional

Semana passada uma notícia causou grande repercussão, quando foi preso – e posteriormente liberado – um comerciante da cidade de Ribeirão Preto, que foi contra as determinações da fase emergencial do Plano São Paulo de enfrentamento à covid-19, ao manter seu comércio aberto e ainda desafiar fiscais por uma transmissão de vídeo pela internet.

O comerciante Eduardo Cornélio foi preso na terça-feira (16) e solto no dia seguinte. O Ministério Público chegou a pedir que a prisão em flagrante fosse convertida para preventiva porque o suspeito descumpriu regras sanitárias e incitou outros comerciantes a adotarem as mesmas ações. No entanto, a Defensoria Pública pediu a liberdade provisória a Cornélio, aceita pelo magistrado, que alegou ser inconstitucional o decreto da Prefeitura aos moldes do estado sobre a fase emergencial.

"A lei prevê que tanto o município quanto o estado podem fazer restrições intermunicipais e restrições de circulação, direito de ir e vir e interestadual respectivamente, mas não pode por meio de decreto, obviamente. (...) Para que um governador possa decretar, ele tem que ter o aval, ele tem que ter respectivamente do poder legislativo. Isso não ocorreu aqui em Ribeirão", explicou o advogado do comerciante, Luís Henrique Usai.

O juiz Giovani Augusto Serra Azul Guimarães diz que no Brasil não há Estado de Sítio ou Estado de Defesa, situações em que, segundo citado na sentença com base na Constituição Federal, são as únicas hipóteses em que se podem restringir direitos e garantias fundamentais do cidadão, como o livre exercício do trabalho.

"Atualmente, não vigora nenhum desses regimes de exceção no Brasil, de modo que o direito ao trabalho, ao uso da propriedade privada (no caso, o estabelecimento comercial) e à livre circulação jamais poderiam ser restringidos, sem que isso configurasse patente violação às normas constitucionais mencionadas", disse na decisão.

Além disso, o magistrado afirmou que o decreto do Executivo não tem papel de lei e, portanto, não tem validade. Ele também criticou o que chamou de "lockdown" as regras de fase emergencial do Plano São Paulo. "O decreto governamental é instrumento destinado exclusivamente a conferir fiel cumprimento à lei; presta-se unicamente a regulamentá-la. Não lhe é permitido criar obrigações não previstas em lei (o chamado decreto autônomo)", explicou.

Na decisão de soltura, o juiz cita entendimento do Supremo Tribunal Federal, na ADI 6341, de que as medidas adotadas pelas autoridades governamentais no combate à pandemia de Covid-19 devem ser devidamente justificadas, obedecer aos critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS) e gozar de respaldo científico.

No texto, o juiz cita estudos da Universidade Federal de Pernambuco, da Universidade de Stanford e da revista científica britânica Nature e afirma que os documentos "têm demonstrando a ineficácia de medidas como as estabelecidas nos decretos governamentais em questão, ou do chamado lockdown, na contenção da pandemia".

"A Organização Mundial da Saúde já apelou aos governantes para que deixem de usar o lockdown, medida que 'tem apenas uma consequência que você nunca deve menosprezar: torna os pobres muito mais pobres'", diz o juiz. "Qual, então, o respaldo do decreto governamental, no qual se fundou a prisão do indiciado, diante da Constituição da República, da decisão do Supremo Tribunal Federal pertinente ao tema, das orientações da Organização Mundial da Saúde e da ciência? Absolutamente nenhum".

Emissário da OMS, David Nabarro, responsável pela declaração, afirmou que é preciso encontrar um "caminho para lidar com o vírus" através do qual não sejam necessários "lockdowns extremos e constantes", apesar de não descartar totalmente a medida. Orientou, além disso, que governadores não o utilizem como seu "principal método de controle".


Porto Ferreira e repercussão – A notícia, como dito no início, repercutiu bastante. O advogado Dr. André Luís Miziara Gentil entrou em contato com a Redação do Jornal do Porto e falou sobre caso semelhante que foi objeto de nossa reportagem na edição de 26 de fevereiro.

Na ocasião, a juíza de Direito da 1ª Vara da Comarca de Porto Ferreira, Dra. Joanna Palmieri Abdallah, indeferiu medida liminar que pretendia reabrir estabelecimentos comerciais em Porto Ferreira durante a fase vermelha do Plano São Paulo de enfrentamento à covid-19. Duas lojas do ramo de decoração e um estacionamento que comercializa veículos ingressaram com mandado de segurança cível/abuso de poder contra decreto do prefeito Rômulo Rippa que prevê medidas restritivas para as atividades comerciais.

O advogado Dr. André Gentil representou os empresários na ação.

A Justiça local não vislumbrou os requisitos necessários para conceder o mandado. Esclareceu que já foi sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que os Municípios detêm competência para disciplinar o funcionamento do comércio local, de forma suplementar ao Estado, ou seja, tendo a possibilidade de tornar mais rígidas as medidas necessárias, caso o agravamento da situação sanitária se apresente em escala crescente.

"[...] o decreto municipal cumpriu as determinações do Plano São Paulo e ainda estabeleceu regra específica para atender aos interesses dos comerciantes locais, possuindo competência para regulamentar a questão, sem que se possa falar, pelo menos nesta etapa processual, que há ilegalidade ou abuso de poder pela autoridade impetrada", decidiu a juíza.

Segundo Dr. André Gentil, porém, a tese que ele defendeu em Porto Ferreira "não foi em vão", porque agora está sendo "reconhecida por magistrado de outra cidade".