Os slogans que nos governam

Os slogans que nos governam

Sou fã de carteirinha do Olivier Reboul, professor de Retórica e de Filosofia, na França, falecido em 2002. Ministrei uma disciplina sobre argumentação nos meus últimos anos de professora e pude constatar a alegria dos alunos em descobrir que a língua não é neutra. As linguagens não são neutras.

Introdução à Retórica, Filosofia da Educação, Slogans são alguns dos livros de Reboul e podem ser lidos brincando em qualquer dia da semana. Nos vemos dentro de seus exemplos. Slogans caiu-me nas mãos em um sebo. Uma pérola de texto, um mundo descoberto de frases capazes de dirigir alguém a um ato. Slogans são propagandas que nasceram antes da propaganda e da publicidade. Um exemplo que gosto muito é, "Brasil, ame ou deixe-o". Um slogan da ditadura de 1964. A característica de um slogan é ser fácil de ser repetido sem causar resposta imediata. Este slogan só foi abatido de seu conforto quando alguém revidou: - "O último a sair, apague a luz".

Vejamos outros. É proibido proibir, de maio de 1968. Liberdade, Igualdade, Fraternidade foi um slogan revolucionário, perdeu sua força com o tempo. Trabalho, Família, Pátria serviu de divisa para o estado francês de Vichy em 1940. Outro slogan, Mente, mas faz, do poeta Valéry, pode ser comparado ao slogan brasileiro, muito conhecido nas gerações mais velhas, "Rouba, mas faz", nos idos das décadas de 1960 a 70, referindo-se ao então político Paulo Maluf, de São Paulo.

As funções dos slogans são várias. Função expressiva ou emotiva, função de mensagem, muito a gosto das crianças que enriquecem seu código linguístico; função poética, função fática, função metalinguística. Em síntese o slogan é qualquer formula concisa, fácil de ser retida e repetida e apta a sacudir a mente e corações. Mas não nos enganemos, o slogan dissimula sua natureza de slogan. É o não-dito. Esconde também o sujeito da frase, da ação. Por isso, no rol dos slogans os ideológicos são os mais perigosos, pois não sabemos quem fala.

O slogan é um pensamento pronto para ser vestido, ele anula o ato de pensar. Hoje no Brasil as mídias oficiais estão usando, a todo vapor, o MERCADO não quer intervenção nas estatais, referindo-se à Petrobás. Ora, se são estatais são do Estado e se são do Estado, o Mercado não poderia reclamar da indicação de outro presidente para a instituição. Ocorre que a palavra MERCADO tornou-se habitual e podemos vê-lo como um senhor seguro de si diante dos destinos do Brasil. Ou não. Se não, basta perguntar, "Quem é o MERCADO"? Onde mora? Logo nos veremos embrenhados na política de preços, commodities, banqueiros e empresários do Brasil e fora dele. Não existe o senhor MERCADO. Existem corporações que gerem os preços das principais commodities (ou mercadorias) do planeta. O petróleo é a mais importante delas.

A frase predileta dos liberais, a MÃO INVISÍVEL DO MERCADO, cunhada por Adam Smith, em 1759, evoca a metáfora e slogan de um mercado invisível e neutro que regula os preços e os mercados. Para Adam Smith a mão do senhor MERCADO é natural. No entanto, a fórmula abreviada age bem exatamente pelo que não diz. O senhor MERCADO tem nome, são os donos das grandes corporações de empresas, de bancos, agências de risco e outros suportes do capital. Todos invisibilizados pelo nome fantasia MERCADO, o slogan.

Este slogan mora nos corações de todos. Ninguém o conhece, mas todos o amam. Miriam Leitão e Merval, na semana passada e nesta semana, se notabilizaram pelos textos favor do senhor MERCADO, esse senhor que mora tão longe do Brasil, mas está no peito dos principais economistas do país.

A constatação final de um slogan: é a concisão, seu poder de ser resumido e atraente que funciona ajudada pelos economistas que faz desse slogan seu sucesso. O não-dito. Nós adultos, voltamos a ser crianças, não pela negação do adulto que somos, mas pelo que ser adulto implica, não pensamos como adultos. Por preguiça ou medo de conhecer o slogan abdicamos da descoberta. Citando Reboul, "é com isso que jogam muitos slogans, não com nossa ignorância e nossa credulidade, mas com nosso medo de pensar e nossa necessidade de acreditar; não com o prazer de uma infância redescoberta, mas com a angústia diante de uma maturidade impossível".

*Marta Bellini

*Professora aposentada da Universidade Estadual de Maringá. Com doutorado em Psicologia, mestrado em educação e graduação em Biologia, diletante em Literatura, uma ornitorrinco, tem a sorte de continuar a ser integrante do Grupo de pesquisa Science Studies CNPq-UEM, na mesma universidade, grupo interdisciplinar de pessoas da filosofia, pedagogia, biologia, física, psicologia entre outras áreas. Sindicalistas nos períodos necessários, teve a honra de participar com colegas de duas grandes greves, a de setembro de 2001 a março de 2002, e a de abril-maio de 2015, as duas contra privatização das universidades públicas do Paraná e a última, também contra a reforma da previdência, além, é claro, de lutar da dignidade salarial.