Alguma coisa está fora de ordem

Moramos no planeta Terra, simples assim

Alguma coisa está fora de ordem

Os antigos gregos, entre eles, Aristóteles, diferentes de nós, viam o planeta Terra em conjunção com o Cosmo, os céus, e o Homem. Homem, Terra e Cosmo. Essa ideia de união foi dissolvida na modernidade; predominou outro conceito, a Homem como o maior dos seres, acima do Cosmo, da Terra e, até do acima de outros homens, aqueles com H minúsculo.

eio também o esquecimento da natureza da Terra, com seus habitantes, cujo parentesco foi rompido. Até Darwin, no século XIX, nem sonhávamos que, um dia, fossemos jogados à realidade natural e histórica de nossos corpos. Somos, nós, humanos e todos os animais e plantas, e pedras, areia, água produtos da irmandade evolutiva.

Morcegos ouvem uma fruta amadurecida em uma árvore. Emitem sons com a boca em direção ao espaço em sua frente. Com base nos ecos, esse animalzinho determina a posição do objeto. Esse estudo da Revista Science, de 2010, volume 237, página 701, de acordo com o biólogo Fernando Reinach, mostraram que o morcego voa no escuro e encontra a fruta que deseja comer pelas respostas de seus ecos.

Outro estudo sobre nossos parentes é sobre o beija-flor, do Royal Society, 2015, também apresentado por Reinach. Os beija-flores não sugam o néctar das flores pelo bico, e, sim, pela língua. Sua língua funciona como duas seringas. Ele chupa o néctar dezessete vezes por segundo e modelos matemáticos conferem que a coleta de néctar assim feita confere a sobrevivência suficiente ao beija-flor.

Assim, nossos parentes mais próximos, a família dos macacos, também mostram soluções evolutivas. Uma pesquisa com quinze chimpanzés mostrou que estes seres confiam nos amigos. Publicado na Revista Current Biology, de 2016, vemos que ao serem ensinados a jogar com amigos, aprenderam a confiar nos colegas quando a situação envolvia a partição de alimentos. Ou seja, além do ser humano, os biólogos começam a mostrar o que já escreveu Darwin, nos anos de 1880, em "A expressão das emoções nos homens e nos animais", que macacos também desenvolvem empatia e confiança.

Há muita sofisticação nos comportamentos dos animais. Mas não as vemos. Nossos olhos foram treinados para não ver e não aceitar essa partilha do planeta e do Cosmo.

Isso levou-nos também a não compreender as pandemias como fatal desequilíbrio dos habitats humanos. Michel Lussault, em entrevista ao jornal Clarin-Revista Ñ, de 22 de janeiro de 2021, publicada na Revista Unisinos em 27 de janeiro de 2021, professor de Estudos Urbanos, diz que a pandemia nos empurrou para vermos a fragilidade nossa na Terra. A rápida destruição de ecossistemas, a fome das elites para tomar as últimas porções de terra e água para a chamada produção global, a ideia de que o Homem é o cerne do planeta, a última coca-cola do Cosmo, levaram ao extermínio de muitos parentes e à supremacia dos vírus, um deles, o da Covid-19.

Isso acontece quando destruímos plantas necessárias à sobrevivência de outras espécies, e, é claro, também da nossa. As pandemias são a senha contra as formas de depredação desenfreada das reservas naturais, das mudanças climáticas e da desimportância, para usar a palavra do poeta Manoel de Barros, que damos à morada neste planeta.

Estamos vulneráveis. A política do Antropoceno, termo de Bruno Latour, mostra o desastre de pôr no alto da chamada cadeia dos seres, o imponente Homem, entendido aqui como os governos cheios de planos econômicos que aumentam nossa vulnerabilidade no mundo.

A pandemia da Covid-19 é apenas a primeira. Os vírus são seres simples, mas também complexos. Dão de dez a zero nos humanos. Uma pena e também um crime que governos deixem para trás os seres mais frágeis e alimentem a ideia de que a crise é natural. Não é.

Ela é humana e é provocada pela incapacidade de os governos abdicarem de formas econômicas inviáveis para nossa sobrevivência.

*Marta Bellini
*Professora aposentada da Universidade Estadual de Maringá. Com doutorado em Psicologia, mestrado em educação e graduação em Biologia, diletante em Literatura, uma ornitorrinco, tem a sorte de continuar a ser integrante do Grupo de pesquisa Science Studies CNPq-UEM, na mesma universidade, grupo interdisciplinar de pessoas da filosofia, pedagogia, biologia, física, psicologia entre outras áreas. Sindicalistas nos períodos necessários, teve a honra de participar com colegas de duas grandes greves, a de setembro de 2001 a março de 2002, e a de abril-maio de 2015, as duas contra privatização das universidades públicas do Paraná e a última, também contra a reforma da previdência, além, é claro, de lutar da dignidade salarial.