As eleições brasileiras da semana passada

Coluna publicada no JORNAL DO PORTO dia 4-12-2020

As eleições brasileiras da semana passada

À primeira vista, as eleições a prefeito e vereadores das cidades brasileiras foram um retorno ao "velho normal". O velho normal do MDB, do DEM, ou seja, os antigos caciques da política. O PSD de Kassab - ramo do DEM e MDB – deu as cartas com mais vereadores e prefeitos.

O PSB, ironicamente chamado de partido socialista sem ser socialista, fez o cacique mais novo do Brasil, o prefeito de Recife. O PDT também diminuiu seus prefeitos. Os agregados bolsonaristas PSL, Novo, Avante, Patriotas ficaram em seus micros lugares. Quase desapareceram. Um aviso ao presidente: nós, eleitores, preferimos os "envelhecidos políticos". Cansados do binarismo, nós e eles? Talvez.

O PT e o PSOL e Manuela, do PC do B, foram atacados pelos partidos do velho normal e novos velhos normais (bolsonaristas), sobretudo os com candidatas mulheres. O patriarcalismo não perdoa. Pior, o maior partido do Brasil, o das mídias oficiais, fez torcida contra. Covas venceu em São Paulo nos mesmos redutos eleitorais do atual presidente em 2018. Vi os mapas na Globonews. O velho normal tucano que, em 2018 era bolsonarista, e, hoje, prepara a candidatura do atual governador a presidente. 2022 promete.

Assistindo ao programa das TVs oficiais, a cada duas frases sobre as eleições, três eram sobre o PT. Dou nome a isso: repetir, repetir, repetir as frases sutilmente até que as mentiras pareçam verdade. Ou até que vire chacota. Aliás, a frase "meme" nas redes oficiais é: "e o PT?".

Sem concordar com essa voz empresarial do Brasil, o PT perdeu. Li a coluna do jornalista Kotscho. Uma voz amistosa dos progressistas alertando. O antipetismo é ainda a força atuante contra o PT.

Mesmo assim, com as mídias contra, as esquerdas e os progressistas foram longe. O Rio fez sete vereadores do PSOL. Boulos, em São Paulo, abocanhou votos de eleitores jovens das periferias, foram mais de dois milhões de votos. Não é pouco em um país devastado por fake news, por elevado desemprego, por pandemia da covid-19 sem termos ministério da saúde, com as mídias torcendo pela reforma administrativa do ministro da economia e pela Black Friday das instituições públicas do país.

Lembrei-me do livro de Dante Moreira Leite, psicólogo, tradutor, escritor, professor universitário da Unesp e da USP, morto precocemente aos 48 anos de idade, em 1976, O caráter nacional brasileiro, estudo das ideologias e estereótipos brasileiros. Neste livro, Dante mostra todas as estratégias, artifícios das elites brasileiras para dar aos negros uma educação inferior e dar ao país uma arma contra a consciência de classe. Para Dante, a não alteração da vida dos negros pós escravidão mostra a manutenção do racismo como via de segregação das lutas de classe. O mesmo ocorreu com as comunidades indígenas. Com mulheres e outros grupos.

Essas condições me fizeram pensar na diferença das manifestações das populações da Argentina e do Chile onde as ruas estão sempre com as populações mais pobres, indígenas e negras. No Chile, apesar do cruel modelo ultraliberal, o mesmo que Guedes quer ao Brasil, as comunidades indígenas não aceitam a extrema pobreza, nem aceitam o roubo da água, dos metais e a usurpação de seus direitos. Vão às ruas!

No Brasil, a voz do maior partido, a das TVs e rádios de senhores das elites, festejam o povo ordeiro das eleições e invertem a equação: - chamam de vândalos aqueles que lutam para a sobrevivência e chamam de gente de bem, aqueles que privatizam as escolas, demitem milhares de professores, privatizam nossos empregos.

Os e as jornalistas sorriem quando falam destes eventos. É tudo para melhorar a economia. Só não dizem de quem.


Post scritptum:

Terminando este texto vejo o ex-juiz da Lava jato indo trabalhar para equilibrar as ações contra a Odebrecht, ações que ele mesmo ajudou a elaborar. Tempos pequenos. Já tivemos gerações com homens mais orgulhosos de suas ações.


Já o presidente atual diz que previdência, bolsa-família, carteira assinada e outras conquistas das classes trabalhadoras são caminho para o insucesso. Detesto a palavra sucesso e seu antônimo. Dão a ideia de que isso existe com um piscar dos olhos. Não. O que existe é vida de luta para termos uma vida digna. O presidente não sabe o que é trabalhar. Aposentou-se com bom salário aos 43 anos. Será um velho com dinheiro de anos de vida farta no parlamento. Não sabe o que é dar duro e ficar velho. Nunca soube.

*Marta Bedllini

*Professora aposentada da Universidade Estadual de Maringá. Com doutorado em Psicologia, mestrado em educação e graduação em Biologia, diletante em Literatura, uma ornitorrinco, tem a sorte de continuar a ser integrante do Grupo de pesquisa Science Studies CNPq-UEM, na mesma universidade, grupo interdisciplinar de pessoas da filosofia, pedagogia, biologia, física, psicologia entre outras áreas. Sindicalistas nos períodos necessários, teve a honra de participar com colegas de duas grandes greves, a de setembro de 2001 a março de 2002, e a de abril-maio de 2015, as duas contra privatização das universidades públicas do Paraná e a última, também contra a reforma da previdência, além, é claro, de lutar da dignidade salarial.