O que falar quer dizer

Coluna publicada no JORNAL DO PORTO dia 21-5-2021

O que falar quer dizer

A CPI da pandemia teve, nesta terça-feira, 18/5, dia em que escrevo a Coluna, um dia singular. No lugar do antes Ministro das relações Exteriores, homem sem cordialidades que transcendia os limites do serviço público, apareceu ao depoimento uma pessoa reticente, com discurso lacunar; incrivelmente instalado em uma realidade paralela. Eu diria que esta CPI traz elementos da psique de muitos homens do governo. O valente ministro governista, uma vez no espaço público do senado, torna-se outro, aparentemente afável. Uns dizem que era o irmão gêmeo do chanceler.

O chancelelé como era chamado nas redes sociais, veio como homem bom e muito esquecido. Quando seus colegas do senado apresentaram seus textos com a palavra "comunavírus" nas redes sociais, ele afirmou que não a escrevera por causa da China. Muito difícil ouvir o ex-ministro. Muito aham..., muitos, então.

Onde estudou este senhor? Em que seara este ex-chanceler se formou? Depôs contra seu percurso profissional. Tristes trópicos. Triste ser. Vazio, bipartido, em grupo sentia-se forte, sozinho, na CPI, sem linguagem. Como um ator que entrou em peça errada.

Se a peça CPI é correta, o ex-chanceler estreou como um ator sem experiência. Falas sem sentido, hesitação para não falar de sua recente história em um grupo de valentões, em um grupo que elevou a pandemia a quase 500 mil mortes por Covid-19. Nenhuma isca de responsabilidade. Apenas a garganta evasiva. Uma regressão ao estado de criança, pensei. Criança sem experiência criativa até na fala. Uma certa incapacidade de se comunicar e interagir. Um chanceler!

Como escreveu Milton Hatoum, escritor por quem sou só admiração e leitura, "esse governo foi formado por pessoas que não deram certo na vida, nem profissional, nem afetiva". Tem salário bom, por certo, mas não tem envergadura pública. Como todos no governo que ajudou.

O que dizer da tropa do governo? Senadores como Eduardo Girão (Podemos, Ceará), Ciro Nogueira (PP, Piauí), conhecido como 05, Heinze (PP, Rio Grande do Sul) falaram hoje as mesmas palavras, frases das semanas anteriores. Obstaculizam as sessões iniciais buscando salvar a cloroquina. Nesta terça-feira, o gaúcho Heinze mastigou mais uma vez as falsas estatísticas de cura da Covid-19 em cidades de seu estado como um infante que conta uma mentira à sua mãe milhões de vezes. Patético.

O que o falar destes senhores quer dizer? Muita coisa, mas uma me parece bem adequada. São a caricatura de crianças; adultos com falso self, uma expressão do psicólogo Winnicott, para designar o vazio a que se refere Hatoum. Tão vazios que a luta máxima destes senhores é defender um governo insepulto.

*Marta Bellini

*Professora aposentada da Universidade Estadual de Maringá. Com doutorado em Psicologia, mestrado em educação e graduação em Biologia, diletante em Literatura, uma ornitorrinco, tem a sorte de continuar a ser integrante do Grupo de pesquisa Science Studies CNPq-UEM, na mesma universidade, grupo interdisciplinar de pessoas da filosofia, pedagogia, biologia, física, psicologia entre outras áreas. Sindicalistas nos períodos necessários, teve a honra de participar com colegas de duas grandes greves, a de setembro de 2001 a março de 2002, e a de abril-maio de 2015, as duas contra privatização das universidades públicas do Paraná e a última, também contra a reforma da previdência, além, é claro, de lutar da dignidade salarial.