O Éden Ferreirense
Uma das partes mais gratificantes do trabalho do historiador é se deparar com uma fonte (documentação) desconhecida
Uma das partes mais gratificantes do trabalho do historiador é se deparar com uma fonte (documentação) desconhecida. É inenarrável a sensação que percorre todo o nosso espírito quando descobrimos um documento, por vezes, apenas um pedaço de papel, um artefato arqueológico, em sua grande maioria, objetos minúsculos esquecidos nas areias (ou argilas) do tempo. Pequenos adereços perdidos em armário de família ou uma foto em preto e branco esquecida em uma mala ou uma carteira. São inúmeros os momentos nos quais nós, historiadores de profissão, somos agraciados com estes instantes de alegria. No entanto, algumas vezes, um prazer semelhante encontra-se justamente em nossa frente, necessitando apenas de um olhar mais demorado.
Há pouco tempo, durante a catalogação do acervo do Museu Municipal ainda em curso, me deparei com um quadro de Jean Gabriel Villin, datado de 1971. O título por si só me despertou a atenção: "Estudo para o desenvolvimento do turismo na cidade de Porto Ferreira". Ao invés de suas usuais pinturas, o objeto emoldurado era composto apenas de um pedaço de papel com ilustrações à caneta, baseadas nos arredores do Rio Moji-Guaçu.
Nele, havia um conjunto interessante de imagens. Um barco a vapor encontra-se ancorado logo abaixo da "Ponte Velha", em uma clara referência a uma das mais antigas fotos da navegação da cidade. Além deste tipo de embarcação, algumas canoas de aluguel estão presentes às margens do rio, ressaltando o potencial turístico do Moji.
Uma pequena escada, no canto inferior esquerdo da imagem, dá acesso ao nível da rua, a um espaço de convivência, no qual se podem ver vários caramanchões redondos espalhados por quase todo o local. Uma pequena loja de brindes, uma cabine telefônica e um tablado para a apresentação da "banda" e da "catira" podem ser vistos à esquerda do visitante que ali passeia. Ao centro do espaço, há um grande restaurante.
Uma ponte pênsil sob o antigo canal de navegação, encurta ao acesso das crianças e seus acompanhantes ao parque de diversões, canal este que deságua num amplo lago, cheio de "pesqueiros" ao redor. Ainda estão ali presentes churrasqueiras e uma pequena praia. Ipês roxos estão espalhados por todo o entorno do local, assim como os bambus e os eucaliptos, e a fauna é representada por peixes que pulam alegremente para fora das águas, aves que sobrevoam a paisagens e uma família de patos nadando tranquilamente em meio à harmonia ali presente. O zoológico chega a ser praticamente apenas um adendo ao Éden Ferreirense.
No entorno do lago, trilhos de um mini circuito ferroviário contemplam um passeio ritmado ao som das pequenas locomotivas e vagões, não presentes na ilustração, mas sabiamente sugeridos por Villin. Há, ainda, um museu próprio da CIA Paulista e, aparentemente, a Estação ainda se encontra em operação.
Qualquer pessoa, ao olhar para a maneira idílica sobre como o futuro (permeado de passado) estava ali representado, consegue se imaginar presente naquele cenário, desfrutando de bons momentos com aqueles que ama.
Quarenta anos após a realização deste desenho, talvez soe utópico pensarmos que este conjunto de imagens possa se tornar real, todavia, basta termos em mente que justamente um dos lugares de maior movimento das famílias ferreirenses é o local que mais se assemelha ao descrito na imagem: o parque Henriqueta Libertucci.
Estes sonhos tendem a se tornar cada vez mais desejáveis dentro do espírito de cada um de nós, afinal, quem, no "pós-pandemia", não desejará o alento de um lugar no qual passado e presente se encontre, um lugar onde o tempo passe de maneira mais amena e a natureza nos mostre que a vida sempre resiste em sua maneira mais simples e singela. Nunca precisamos tanto de um Éden Ferreirense.
Que neste dia 29 de julho, ao comemorarmos o aniversário de Porto Ferreira à distância, não nos esqueçamos que é a esperança que nos torna humanos, mas são os atos que mudam a História.
Parabéns a Porto Ferreira,
Parabéns aos ferreirenses.