Mariana Baltar canta Aldir Blanc com paixão e fervor em show no Rio

Mariana Baltar canta Aldir Blanc com paixão e fervor em show no Rio

Com o toque do conjunto Água de Moringa, cantora sublinhou a atualidade do repertório do compositor em consagradora apresentação de atmosfera teatral. Resenha de show

Título: Os Arcos – Paixão e morte

Artistas: Mariana Baltar e Água de Moringa

Local: Teatro Firjan Sesi (Rio de Janeiro, RJ)

Data: 22 de janeiro de 2020

Cotação: * * * * *

? Um dos melhores discos de 2019, o álbum em que Mariana Baltar canta a poesia incisiva e precisa de Aldir Blanc com o toque do grupo Água de Moringa, Os Arcos – Paixão e morte, gerou show consagrador, já com vaga garantida na lista de destaques de 2020.

"Já temos o show do ano", arriscou embevecido espectador na plateia do Teatro Firjan Sesi ao fim da apresentação feita pela cantora carioca na noite de quarta-feira, 22 de janeiro. O comentário soou sem exagero para quem testemunhou a estreia do show Os Arcos – Paixão e morte na cidade do Rio de Janeiro (RJ).

Em atmosfera de densa teatralidade, perceptível já na entrada de Baltar em cena para cantar O cavaleiro e os moinhos (João Bosco e Aldir Blanc, 1976), a intérprete deu voz às letras do compositor carioca com paixão, fervor, domínio de palco, afinação absoluta – inclusive nos agudos apoteóticos que elevaram o samba-enredo Da África à Sapucaí (João Bosco e Aldir Blanc, 1976) – e com total compreensão do significado do que estava cantando.

Mariana Baltar canta 'Corsário', música ausente do disco, no show 'Os arcos – Paixão e morte'

ACJr / Divulgação

Essa inteligência já estava evidente no primeiro álbum dessa grande cantora, Uma dama também quer se divertir (2006), mas foi sendo depurada com os anos até chegar a maioridade no disco Os Arcos – Paixão e morte, lançado quando a artista já completava 18 anos em cena.

No show, Baltar usou essa inteligência para realçar a atualidade do repertório de Aldir, sobretudo do samba carnavalesco Plataforma (João Bosco e Aldir Blanc, 1977), apresentado como recado cifrado ao prefeito do Rio de Janeiro (RJ), Marcelo Crivella, por conta de controvertidas ações ligadas aos blocos que desfilam na cidade.

Com direito a discurso antes do número, Baltar meteu bronca neste samba-plataforma com a mesma contundência com que fez a sublime Oração perdida (Luiz Flavio Alcofra, Jayme Vignoli e Aldir Blanc, 2011) e com que partiu a geleira de Corsário (João Bosco e Aldir Blanc, 1975) – música ausente do disco – com canto abrasivo que ferveu no samba Querelas do Brasil (Maurício Tapajós e Aldir Blanc, 1978), atualizado pela cantora com a inclusão na letra dos nomes da vereadora Marielle Franco (1979 – 2018) e do pedreiro Amarildo Dias da Silva (1965 – 2013), vítimas e símbolos de violências derivadas de recentes querelas sociais.

Mariana Baltar apresenta complexa suíte de João Bosco e Aldir Blanc no fim do show 'Os arcos – Paixão e morte'

ACJr / Divulgação

Cada número do show Os Arcos – Paixão e morte foi valorizado por movimento ou gestual específico da cantora, em mix de teatralidade e sentimento. "Ah, o amor é estar no inferno ao som da Ave Maria", concluiu Baltar ao fim de Nem cais, nem barco (Guinga e Aldir Blanc, 1991), arrancando aplausos entusiásticos pela intensidade (sem excessos) do canto dramático.

Entre o bolero Cara e coroa (Cristovão Bastos e Aldir Blanc, 2019) e a mencionada Nem cais, nem barco, Baltar deixou o Água de Moringa sozinho no palco para que o conjunto de choro caísse com vivacidade no samba Coisa feita (João Bosco, Paulo Emílio e Aldir Blanc, 1982), outro bônus do repertório do show.

Aliás, a teatralidade e a força do canto de Baltar sobressaíram em cena sem abafar a exuberância instrumental do Água de Moringa. Ao lado de Josimar Carneiro (violão), produtor musical do disco com Carlos Fuchs, Luiz Flavio Alcofra (violão), Jayme Vignoli (cavaquinho), Marcílio Lopes (bandolim), Rui Alvim (sopros) e André Boxexa (bateria e percussões) seguiram com segurança o bloco de Baltar em desfile que caiu no samba com O bêbado e a equilibrista (João Bosco e Aldir Blanc, 1979), em número de cumplicidade com a plateia, e que terminou na cadência da marcha-rancho que pautou, no bis, O rancho da goiabada (João Bosco e Aldir Blanc, 1975).

Mariana Baltar mostra domínio de palco no show 'Os arcos – Paixão e morte'

ACJr / Divulgação

Antes do bis, Baltar apresentou a complexa suíte que dá nome ao disco e ao show Os Arcos – Paixão e morte. Composta em 1973 por João Bosco com Aldir Blanc, então no início da parceria, o tema foi cortado do primeiro álbum de Bosco e ganhou o primeiro registrou oficial no quarto álbum de Baltar.

Apresentada pela cantora no show com figurino camaleônico, a composição Os Arcos – Paixão e morte soou no palco quase como peça erudita, tendo funcionado como anticlímax pela estranheza que diluiu a empatia da plateia com a suíte.

Contudo, a ambição dessa composição simboliza a ousadia de Mariana Baltar na interpretação de músicas já gravadas por Elis Regina (1945 – 1982). Pois Baltar as encara no disco e no show sem que o ouvinte-espectador sequer se lembre de Elis ao longo de apresentação que, sim, revelou desde já um dos grande shows deste ano de 2020.

Mariana Baltar e Água de Moringa alinham 14 músicas no roteiro do show 'Arcos – Paixão e morte'

ACJr / Divulgação

? Eis o roteiro seguido em 22 de janeiro de 2020 por Mariana Baltar e Água de Moringa na estreia nacional do show Os Arcos – Paixão e morte no Teatro Firjan Sesi na cidade do Rio de Janeiro (RJ):

1. O cavaleiro e os moinhos (João Bosco e Aldir Blanc, 1976)

2. Da África à Sapucaí (João Bosco e Aldir Blanc, 1976)

3. Alafim (Moacyr Luz e Aldir Blanc, 1992)

4. Corsário (João Bosco e Aldir Blanc, 1975)

5. Oração perdida (Luiz Flavio Alcofra, Jayme Vignoli e Aldir Blanc, 2011)

6. Nem cais, nem barco (Guinga e Aldir Blanc, 1991)

7. Coisa feita (João Bosco, Paulo Emílio e Aldir Blanc, 1982) – Numero instrumental com Água de Moringa

8. Cara e coroa (Cristovão Bastos e Aldir Blanc, 2019)

9. A cúmplice das noites (Aldir Blanc, 1974, com melodia feita anos depois por Josimar Carneiro, 2019)

10. Plataforma (João Bosco e Aldir Blanc, 1977)

11. Querelas do Brasil (Maurício Tapajós e Aldir Blanc, 1978)

12. O bêbado e a equilibrista (João Bosco e Aldir Blanc, 1979)

13. Os Arcos – Paixão e morte (João Bosco e Aldir Blanc, 1973 / 2019)

Bis:

14. O rancho da goiabada (João Bosco e Aldir Blanc, 1975)