Discos para descobrir em casa - 'Omaggio a Federico e Giulietta', Caetano Veloso, 1999

Discos para descobrir em casa - 'Omaggio a Federico e Giulietta', Caetano Veloso, 1999

Capa do álbum 'Omaggio a Federico e Giulietta', de Caetano Veloso

Reprodução

? DISCOS PARA DESCOBRIR EM CASA – Omaggio a Federico e Giulietta, Caetano Veloso, 1999

? Ao lançar o álbum Caetano, em 1987, Caetano Veloso apresentou no repertório a canção Giulietta Masina. Como o título já explicitava, o cantor e compositor baiano reverenciou na música a atriz italiana Giulietta Masina (1921 –1994), esposa do cineasta italiano Federico Fellini (1920 – 1993).

Com letra que espoucou flashes da memória afetiva de Caetano, cinéfilo que descortinou o poético mundo barroco dos filmes de Fellini nos cinemas transcendentais da cidade natal de Santo Amaro da Purificação (BA) e de Salvador (BA), a canção Giulietta Masina chegou aos ouvidos da musa inspiradora do compositor.

Tanto que, nos anos 1990, a atriz italiana Maddalena Fellini (1929 – 2004) – irmã do cineasta – convidou Caetano a fazer show em homenagem a Federico e a Giulietta na cidade italiana de Rimini, terra natal de Fellini.

Lançado em setembro de 1999, o álbum ao vivo Omaggio a Federico e Giulietta é o registro do show apresentado dois anos antes, em outubro de 1997, no Teatro Nuovo, em San Marino, cidade vizinha de Rimini.

Primeiro álbum de Caetano após o blockbuster Prenda minha (1998), título recordista na discografia do cantor por ter ultrapassado o milhão de cópias no embalo do estouro da gravação da canção Sozinho (Peninha, 1996), Omaggio a Federico e Giulietta sequer ameaçou roçar este alto patamar comercial. Até pela natureza particular do disco-show, cujo roteiro encadeou músicas e cenas de filme passado somente na cabeça da Caetano.

Repleta de referências e impressões pessoais, o repertório de Omaggio a Federico e Giulietta reciclou músicas do repertório autoral de Caetano – como Lua lua lua lua (1974), Cajuína (1979) e Trilhos urbanos (1979), em cuja letra o compositor refez o percurso memorialista da vida descoberta nas telas de Santo Amaro (BA) – entre abordagens de temas de filmes de Fellini e de composições estrangeiras inseridas no universo felliniano, caso da canção norte-americana Let's face the music and dance (Irving Berlin, 1936), usada pelo cineasta no filme Ginger e Fred (1986).

Munido somente do próprio violão, Caetano brilhou especialmente no show ao dar voz à canção italiana Come prima (Vincenzo Di Paola, Sandro Taccani e Mario Panzeri, 1957), evocando João Gilberto (1931 – 2019), presença fundamental já saudada silenciosamente no roteiro com a lembrança do samba Chega de saudade (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1958).

No roteiro pessoal de Caetano, a canção-oração Ave Maria (Erothides de Campos, 1939) representou a melancolia expressada nos filmes de Fellini – como o cantor explicou no texto escrito para o encarte da edição em CD do álbum Omaggio a Federico e Giulietta.

Mesmo que a referência fosse demasiadamente íntima, a beleza irradiada por interpretações como a do samba Chora tua tristeza (Oscar Castro Neves e Luvercy Fiorini, 1960) careceu de explicação racional para ser apreciada.

Com o toque lírico do violoncelo de Jaques Morelenbaum, chamado ao palco por Caetano juntamente com o violonista Luiz Brasil, o cantor fez Coração vagabundo (Caetano Veloso, 1967) bater no tom aconchegante desse recital. Outros músicos, como o baixista Jorge Helder e o baterista Carlos Bala, entraram em cena ao longo da apresentação.

Encerrado com Gelsomina (Nino Rota e Michele Galdieri, 1954), tema do filme La strada (1954), o álbum Omaggio a Federico e Giulietta ficou no mundo como filme que não precisa ser entendido para ter a beleza admirada em qualquer tempo ou lugar.