Kiko Dinucci ecoa Baden Powell com força rítmica do violão 'hardcore' que conduz o álbum 'Rastilho'

Kiko Dinucci ecoa Baden Powell com força rítmica do violão 'hardcore' que conduz o álbum 'Rastilho'
Artista apresenta incendiário segundo disco solo com repertório que, entre músicas autorais, inclui samba lançado pelo cantor Cyro Monteiro em 1955. Capa do álbum 'Rastilho', de Kiko Dinucci

Criação de Pablo Saborido

Resenha de álbum

Título: Rastilho

Artista: Kiko Dinucci

Gravadora: Edição independente do artista

Cotação: * * * * 1/2

? "Rastilho é um disco de violão. Nele, o instrumento sobrepõe tudo, todas as vozes, todas as letras. Quem canta é a madeira", sintetiza Kiko Dinucci em texto sobre o viçoso segundo álbum solo do artista.

Arremessado no mercado fonográfico na terça-feira, 21 de janeiro, com repertório quase inteiramente autoral, Rastilho mantém Dinucci na linha de frente da cena música paulistana.

No primeiro álbum solo, Cortes curtos (2017), o músico afiou a guitarra de toque punk para mostrar, entre o rock e o samba, a fervura da chapa na cidade de São Paulo (SP).

Disco que preserva a alta temperatura de Cortes curtos, medida pela audição de músicas como Febre do rato, Rastilho transpõe para o violão a quentura de um Brasil decomposto por injustiças sociais, como sugere a imagem da capa tropicalista assinada por Pablo Saborido.

Como violonista, Dinucci parte do legado afro de Baden Powell (1937 – 2000), ecoado já no tema instrumental que abre o disco, Exu Odara, sem se limitar a reproduzir as lições do mestre.

Discípulo ousado, Dinucci aproxima territórios musicais, unindo em Marquito a aridez do sertão nordestino à aspereza do velho oeste que reverbera em trilhas sonoras de filmes do gênero. Há também algo de cinematográfico no sertão em que grita Dadá entre os grunhidos de Kiko e da convidada Ava Rocha, herdeira de Glauber Rocha (1939 – 1981).

Na peleja de Deus contra o diabo na terra brasilis, o rapper paulistano OGI engrossa o discurso e o caldo de Veneno após medir forças vocais com Juçara Marçal neste afro-samba punk. Emblemática nos porões da cena musical paulistana dos anos 2010, a voz de Juçara Marçal é recorrente em Rastilho, disco (primorosamente) gravado e mixado por André Magalhães e Bruno Buarque, na cidade de São Paulo (SP), entre setembro e novembro de 2019.

Juçara se segura firme entre os golpes de violão dados por Dinucci na execução de Gadá e integra o coro feminino – encorpado com as vozes de Dulce Monteiro, Maraísa e Gracinha Menezes – que sacraliza o canto em iorubá Olodé, saudação aos orixás caçadores previamente apresentada como o primeiro single do álbum Rastilho.

O quarteto feminino de pastoras também faz coro nos sambas Foi batendo o pé na terra – incursão de Dinucci pela roda baiana – e Tambú e candongueiro, releitura da composição gravada por Dinucci há 12 anos com o Bando Afromacarrônico no álbum Pastiche nagô (2008).

Em Rastilho, Dinucci também atualiza o samba Vida mansa (José Batista e Norival Reis, 1955), lançado há 65 anos na voz do cantor carioca Cyro Monteiro (1913 – 1973). Nem a anemia do canto de Dinucci na faixa esvai a força rítmica do artista no toque do violão, condutor deste disco que acaba no samba que lhe dá nome, Rastilho.

Rastilho, o samba, aponta rastro de destruição provocada pelo "temporal que mal começou". "Vamos explodir", anuncia repetidas vezes o coro das pastoras, antes de elas começarem um "lalaiá laiá laiá" harmonizado sobre a percussão da madeira do violão em chamas de Dinucci.

Rastilho, o álbum, se impõe como barril de pólvora prestes a explodir, detonado pelo violão hardcore do idealizador e produtor musical deste disco incendiário. A madeira queima e arde em fogo alto, elevando o nome de Kiko Dinucci na cena brasileira.