Hapvida, dona do convênio São Francisco, é acusada de pressionar médicos a receitar "kit covid"

Publicada no JORNAL DO PORTO dia 8-10-2021

Hapvida, dona do convênio São Francisco, é acusada de pressionar médicos a receitar

Médicos da Hapvida – maior operadora de saúde das regiões Norte e Nordeste e que é proprietária do convênio médico São Francisco, que atua em Porto Ferreira – receberam ordens da direção da empresa para prescrever medicamentos do chamado "kit covid" e convencer os pacientes de que este era o melhor tratamento possível para a covid-19, mesmo com a sua ineficácia comprovada.

O jornal O Globo publicou na última sexta-feira (1) reportagem feita a partir de mensagens, planilhas e documentos de um grupo de WhatsApp de funcionários da operadora que sugerem a recorrência da pressão sobre os médicos entre março de 2020 e maio de 2021. Em nota ao veículo, a Hapvida negou que obrigava a prescrição do coquetel que, entre outros medicamentos, contava com a cloroquina.

Ao longo deste período, a empresa exibiu aos funcionários gráficos de metas de recomendação do kit covid. Para as unidades que estivessem abaixo da meta estabelecida, os diretores orientavam encarecidamente a prescrição dos medicamentos. "Para aqueles que tem como suspeita principal o Covid SEMPRE disponibilizem o kit Covid!", diz uma das mensagens enviadas pela diretoria da empresa obtidas pelo O Globo.

Um ex-funcionário da Hapvida revelou, em entrevista ao jornal El País, que havia risco de retaliação àqueles que não prescrevessem os medicamentos. "Quem não seguisse os protocolos era incluído em uma lista de médicos ofensores e a punição maior seria a demissão", disse. A empresa afirma que a definição de prescrever o kit ocorria sempre durante a consulta e em comum acordo entre médico e paciente.

A Hapvida é investigada pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) por prescrever medicamentos que integram o kit covid, assim como a Prevent Senior, outra empresa privada de saúde. Esta última é alvo da CPI da Covid no Senado por suspeitas de omitir mortes de pacientes com o objetivo de demonstrar a eficácia de medicamentos que compõem o tratamento precoce. Segundo a reportagem do El País, há pelo menos um caso de adulteração de certidão de óbito pela Hapvida, na qual a covid não foi citada como causa do óbito de um paciente internado em Salvador com a doença. A operadora afirma que se tratou de um lapso, e que as autoridades baianas foram corretamente informadas do óbito para fins estatísticos.

Tanto a Hapvida como a Prevent Senior argumentam que a orientação por prescrever o tratamento precoce se baseia em um parecer de abril de 2020 do Conselho Federal de Medicina, que não foi atualizado desde então apesar de entidades nacionais e internacionais de saúde terem abandonado estudos com a cloroquina por ela ser considerada ineficaz. Na sexta-feira (1º), a Defensoria Pública da União entrou com uma ação civil contra o órgão solicitando indenizações coletivas e individuais, no valor de R$ 60 milhões, a familiares que perderam parentes tratados com o medicamento.

Em nota, a Hapvida afirmou que, no passado, havia um entendimento de que a hidroxicloroquina poderia trazer benefícios aos pacientes - o que justificou uma adesão relevante ao medicamento, que, segundo a empresa, nunca correspondeu à maioria das prescrições de seus médicos. A empresa destacou que a adoção da hidroxicloroquina foi sendo reduzida e que hoje a instituição não sugere o uso do medicamento por não haver comprovação científica de sua efetividade. Ainda assim, a instituição afirma seguir respeitando a autonomia e a soberania médica para determinar as melhores práticas para cada caso, de acordo com cada paciente.


Em Porto Ferreira – O Grupo São Francisco, de Ribeirão Preto, foi comprado pela operadora de saúde Hapvida, de Fortaleza (CE), por R$ 5 bilhões, em maio de 2019. A transação foi confirmada pelas duas empresas.

O Grupo São Francisco se instalou com uma unidade em Porto Ferreira após adquirir, em 2016, a empresa ferreirense MedPorto, que também atuava no ramo de convênios médicos. A sede da empresa fica na rua Bento José de Carvalho, 315, no Centro.

Na ocasião a Hapvida, com a aquisição de cerca de 1,8 milhão de clientes do Grupo São Francisco, dizia que formaria a maior operadora do país, servindo mais de 5,8 milhões de beneficiários, em todas as regiões.

No mercado há mais de 70 anos, o Grupo São Francisco começou com a inauguração do Hospital São Francisco, em setembro de 1945, em Ribeirão Preto (SP). A história do Hapvida Saúde começou em 1979, quando o médico oncologista Cândido Pinheiro de Lima inaugurou o Hospital Antonio Prudente. Hoje, a família do fundador é uma das mais ricas do país.