REALIDADE

REALIDADE

Dicionário de Psicanálise Laplanche e Pontalis: Processo postulado por Freud que permite ao indivíduo distinguir os estímulos provenientes do mundo exterior dos estímulos internos […]

Todo indivíduo é social desde seu primeiro dia de nascimento. Nada é natural. As interações com o seu mundinho criam a realidade psíquica, criam a realidade simbólica por meio de suas experiências de existência.

O sete de setembro do presidente


O presidente do Brasil, de acordo com os jornais, esperava dois milhões de manifestantes em São Paulo. Teve ajuda financeira de ruralistas, donos de aviação de acordo com um vídeo que circula nas redes sociais, donos de restaurantes e lojistas, além de cantores sertanejos. Em São Paulo foram 125 mil manifestantes de vários estados do país. É muita gente, mas não são dois milhões.

Um a zero para a realidade.


Fez discurso golpista. Pregou desobediência e ameaças ao STF, sobretudo ao ministro que está com o processo sobre as fake news. Riscou a Constituição Federal. Seus aliados do chamado centrão se assustaram. A noite, depois da manifestação, estes aliados disseram que vão desembarcar deste navio sem rumo. O MDB não quer ser golpista, dizem. Basta o golpe na presidenta Dilma, em 2016.

Dois a zero para a realidade.


Carros com manifestantes pró-presidente levaram ovos de moradores do Morro do Vidigal, no RJ. Os preços dos alimentos estão nas alturas, sabem os moradores locais. Gás a R$100 reais ou mais. Gasolina a R$ 7 reais o litro. Na manifestação em São Paulo, um falo verde e amarelo, em tamanho GG, circulou pela Avenida Paulista. Recordei da mamadeira de piroca, fake news, para contagiar a campanha do opositor, Haddad em 2018.

Três a zero para a realidade.


As manifestações das esquerdas em São Paulo e outros estados, ocorreram em clima de apreensão, mas sem conflitos, pirocas ou chifres. Em muitas manifestações houve doação de alimentos do MST; em São Paulo a manifestação das esquerdas e progressistas recolheu duas toneladas de alimentos para doação.

Quatro a zero para a realidade.


Em cada casa de empregados informais e de desempregados apaga-se a luz para poder pagá-la no final do mês. Mulheres colhem restos de feiras. No Brasil, come-se menos ou não se come nada.

Cinco a zero para a realidade.


Hoje, quarta-feira, parte dos 125 mil estarão em seus estados, cansados pelo sacolejo dos ônibus, com sensação de que nada aconteceu.

Seis a zero para a realidade.


O Zé Trovão, caminhoneiro foragido, provavelmente será preso. Os cantores sertanejos nem cantaram na festa. O deputado Lira estava em seu estado. Houve muita folia em Brasília. Vi um vídeo com um dos filhos do presidente tentando entrar no congresso. A polícia jogou gás no grupo. Muitos caíram e, chateados, chamaram o acontecimento de ditadura.

Sete a zero para a realidade.


Os ruralistas voltaram para suas fazendas de soja e bois. Tiveram um mês corrido. Nesse período um prefeito do Rio Grande do Sul, Cerro Grande do Sul, do PSL, foi preso dia 26 de agosto com R$ 505 mil em caixas de papelão no Aeroporto de Congonhas para Brasília. A CPI da Covid foi informada que era grana para os atos de 7 de setembro. Enquanto o presidente discursava no dia 7 de setembro, foram detidos no aeroporto de Brasília o empresário Jason Miller, assessor direto de Trump, e seu colega que vieram para o Brasil em uma conferência de extrema-direita. A notícia está no Jornal Metrópoles e revista Valor. Miller é fundador da plataforma Gettr que deu a Trump espaço para as fake news e ataques à democracia. Miller foi detido pela Polícia Federal em Brasília quando os dois visitantes do presidente, no dia 7/9, estavam quase embarcando em um jatinho de volta aos EUA. Por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, Jason Miller teve de prestar depoimento ao inquérito 4.874, que investiga a organização de atos antidemocráticos no país.

Oito a zero para a realidade.


As elites da Fiesp nem apareceram na Avenida Paulista no dia 7 de setembro. Covardes, como sempre, estão se equilibrando em arame farpado. Os deputados aliados ficaram em suas casas com a TV desligada.

Nove a zero para a realidade.


Por fim, hoje quando escrevo esta coluna, quarta-feira, parecida com quarta dia de cinzas, a imprensa hegemônica debate se é ou não necessário o impedimento do presidente. Cara de quarta-feira de cinzas. O presidente talvez esteja dividido entre várias realidades, mas a realidade social de 7 de setembro, foi uma só, os esforços golpistas, sonho criado por alguns antidemocratas, não "flopou".

DEZ A ZERO PARA A REALIDADE.

*Professora aposentada da Universidade Estadual de Maringá. Com doutorado em Psicologia, mestrado em educação e graduação em Biologia, diletante em Literatura, uma ornitorrinco, tem a sorte de continuar a ser integrante do Grupo de pesquisa Science Studies CNPq-UEM, na mesma universidade, grupo interdisciplinar de pessoas da filosofia, pedagogia, biologia, física, psicologia entre outras áreas. Sindicalistas nos períodos necessários, teve a honra de participar com colegas de duas grandes greves, a de setembro de 2001 a março de 2002, e a de abril-maio de 2015, as duas contra privatização das universidades públicas do Paraná e a última, também contra a reforma da previdência, além, é claro, de lutar da dignidade salarial.