O cercadinho brasileiro

Coluna publicada no JORNAL DO PORTO dia 16-7-2021

 O cercadinho brasileiro



Os imperadores brasileiros e os presidentes republicanos não chegavam às plebes e aos grupos sociais mais pobres. Segurança, dizem. Mas também é o valor de culto que os governantes empregam em suas aparições.

Temer entre 2016 e 2018 inventou o famoso cercadinho, agora usado pelo atual que marca o governo. Posso dizer empregando a ideia de Walter Benjamin que essas coisas estão a serviço do culto. No cercadinho também estão o professor atrás de sua mesa, o juiz no elevado balcão, os pastores e padres em seu altar.

O cercadinho aparta, separa. Isso é necessário para termos o valor cultual, diz o filósofo Byung-Chul Han, no livro A sociedade da transparência. Acontece que, na sociedade atual, os cercadinhos tornaram-se valor de exposição, assim como as mercadorias na vitrine. Um exemplo bonito que Han nos dá são as fotografias. Num valor de culto, vemos, nas fotografias antigas, todas as marcas das pessoas, da negatividade e da positividade. Nas fotografias digitais mais rápidas temos o sobre valor da positividade. Ninguém está triste ou pensativo; todos estão felizes. É a sociedade da exposição.

Na exposição cada um de nós é o próprio objeto-propaganda e isso dá ao expositor uma abertura para falar tudo que lhe calha, assim como no merchandising. Han é enfático, a sociedade exposta é uma sociedade pornográfica, tudo vem para fora, tudo é exposto, desvelado, despido. Tudo fica à mercê da comunicação.

É o que tem acontecido no Brasil atual. Uma enxurrada de palavrões e palavrinhas escatológicas. Fomos inundados por um mundo de dejetos e estercos. Eu que pensei que já tivesse visto e ouvido tudo do presidente do Brasil, fiquei com o queixo raspando no chão.

- Eu sou o cocô de vocês, disse o mito chefe da nação às pessoas diante de seu cercadinho no dia 13/7/2021. Ao que um fã respondeu: - Eu queria ver um cocô seu, seria lindo.

A imagem é anestésica. Impede-nos de pensar ou de revê-la tamanha pornografia expositiva. Desliguei a TV e faz uma semana que economizo energia.