Curta-metragem escrito por brasileira é destaque em festival de cinema negro nos EUA

Curta-metragem escrito por brasileira é destaque em festival de cinema negro nos EUA

O Pan African Film Festival é realizado há 28 anos, em Los Angeles, e é um dos mais prestigiados da cidade, além de ser o mais importante do país no segmento de cinema sobre a cultura negra. Cartaz do curta Double Blind

Divulgação

O curta-metragem "Double Blind", escrito e produzido pela brasileira Ana Silvani, é um dos filmes que participam da mostra competitiva do maior e mais prestigiado festival de cinema negro dos Estados Unidos. O 28°Pan African Film Festival começou no último dia 11 de fevereiro e vai até domingo (23), quando serão conhecidos os vencedores.

O filme é uma co-produção de brasileiros e sul-africanos. Foi gravado na África do Sul, sob a direção do cineasta Pieter du Plessis, de Johannesburgo, e conta com a participação da atriz brasileira Laura Linn e dos atores sul-africanos Luthuli Dlamini e Bonnie Lee Bouman.

Ana Silvani conta que o filme nasceu em uma mesa de bar, foi criado em uma semana e filmado em apenas um dia. A atriz Laura Linn estava gravando na África do Sul o longa "The Furnace" e viu uma oportunidade de, em paralelo, com a mesma equipe e material que já estavam alugados, fazer um curta e contracenar com um dos atores mais renomados da África do Sul, Luthuli Dlamini, nascido no Zimbábue. Laura telefonou para a brasileira, que mora em Los Angeles, pedindo para às pressas escrever um roteiro, com os recursos que tinham.

"Ela me disse: 'faz alguma coisa, tem que ser com três atores', porque eles só tinham três pessoas disponíveis e 'tem que ser dentro de um bar, porque a gente não tem muito tempo, não tem dinheiro. Vai ter que ser num lugar só, com três pessoas, e a gente quer que tenha poker'. Eu tinha que entregar um primeiro roteiro até domingo, então eu tinha 24 horas", relembra.

Tráfico de crianças

Diante dessa encomenda rápida de um roteiro, na amizade, Ana lembrou de um fato que há tempos habita seu universo das tramas a serem contadas e explorou a temática do tráfico de crianças.

"Eu tenho várias histórias sociais que eu quero contar. Então eu usei o 'Double Blind' para dar uma pincelada na história maior. Nesse curta, uma das personagens é uma criança que foi adotada ilegalmente, foi esquecida dentro de um carro e quase morreu por causa disso. Eu agora estou trabalhando também em um longa que vai ligar as histórias que eu tenho do Brasil, da África do Sul e dos Estados Unidos com essa mesma temática", reitera.

A atriz Laura Linn lembra que o filme só saiu do papel pelo amor ao cinema, sem orçamento, e porque todos trabalharam pela paixão pela arte. Ela e Ana investiram dinheiro do próprio bolso para a finalização do filme e divulgação.

O curta foi filmado em um domingo do início de 2018 e levou um ano para ser editado, já que também não havia verba para isso. Ela faz o papel da menina que foi adotada ilegalmente, o pai foi usar drogas e a esqueceu no carro fechado em um dia de sol escaldante.

"A Pam é uma personagem muito interessante porque ela não tem medo de morrer, não se importa com uma arma a apontada para ela, na vida inteira passou por situações muito difíceis e teve que enfrentar tudo sozinha. Então é um choque de realidade, sobre a questão de deixar as crianças dentro de carros e que acabam morrendo por causa do calor. Achei essa personagem fantástica e a história é de tensão o tempo todo".

Festival de Cinema que homenageia a cultura negra

O Pan African Film Festival é realizado há 28 anos, em Los Angeles, e é um dos mais prestigiados da cidade, além de ser o mais importante do país no segmento de cinema sobre a cultura negra. Neste ano, foram mais de mil produções inscritas com 225 selecionadas, entre longas, curtas e documentários de 52 países, falados em 26 línguas. O próprio público que vota nos melhores filmes e os vencedores entram automaticamente na pré-seleção do Oscar.

Além de "Double Blind" que tem roteirista e atriz brasileiras, ainda representam o Brasil no Festival o longa "Marighella", dirigido por Wagner Moura e os documentários "My Friend Fela", co-produção Brasil/Nigéria do cineasta Joel Zito Araújo, e "Another Red, White, Black e Blue Odyssey", uma co-produção Brasil/Japão/Fiji/Estados Unidos dirigida por James Brown.

Ana destaca a importância de ser selecionada para um festival tão multicultural em uma época que ela acredita que as portas da Sétima Arte estão se abrindo para o mundo: uma onda que pega carona pela vitória do filme sul-coreano Parasita no Oscar desse ano.

"Acho que aumentou a auto-estima de quem escreve em outras línguas, não temos mais medo de arriscar. Quebrou o tabu da legenda" diz a roteirista, que apesar de ter escrito em inglês "Double Blind", tem vários projetos que pretende lançar em português. Ana se formou em Letras, em Chapecó (SC) e se especializou em Cinema e Mercado de Entretenimento, na Ucla, em Los Angeles, onde mora há 14 anos e trabalha com produção na maior parte do tempo. Esse foi o primeiro roteiro dela que virou filme.

"Double Blind" já participou também de outros dois festivais: o Los Angeles Brazilian Film Festival e o Festival de Curtas de Moscou.