Conheça as memórias dos irmãos Tangerina Bruno, "uma dupla na vida e na arte"

Letícia e Cirillo Tangerina Bruno, irmãos gêmeos e artistas visuais, são os primeiros entrevistados do Projeto Porto de Memórias em 2021

Conheça as memórias dos irmãos Tangerina Bruno, "uma dupla na vida e na arte"

As aulas de Educação artística nos tempos de escola podem produzir lembranças não muito agradáveis em algumas pessoas, este, certamente, não é o caso dos irmãos Tangerina Bruno. O interesse e a aptidão pelas artes brotaram cedo na vida dos gêmeos ferreirenses.

Em uma das aulas da disciplina, os irmãos recordam um episódio em particular: a tarefa de produzir uma maquete sobre o Egito Antigo. O que para o resto da turma do Ensino Fundamental se resumiria a simples edificação de uma tradicional pirâmide, para Letícia e Cirillo, em pleno despertar artístico, representou a construção de uma faraônica e mítica Esfinge de argila, que pouco se sustentava na placa de isopor fornecida pela professora. Ao fim do relato, uma constatação: "a gente era meio espalhafatoso nas aulas de arte!".

Bem distante de Gizé, às margens, não do Nilo, mas do Mogi-Guaçu, nascia em 1993 na terra da Cerâmica Artística, os irmãos gêmeos Letícia e Cirillo Tangerina Bruno. Residentes no Bairro Santa Rosa e de família católica, os irmãos se tornaram referência no mundo das artes, ganhando destaque com exposições em galerias na cidade de São Paulo e no Rio de Janeiro, no Museu de Arte Moderna.

A cidade de Porto Ferreira, palco do desenvolvimento dos artistas visuais, moldou e ajudou a construir a personalidade artística dos jovens ferreirenses. Para eles, as lembranças da cidade, os primeiros estímulos artísticos, o senso estético, os interesses, a relação arte e vida, estão presentes em suas produções e todo este processo passa pelo fato de terem nascido e crescido aqui.

A exemplo disso, muito antes de terem contato com as sofisticadas vanguardas européias ou visitar os principais museus e galerias do país, foi a Igreja Matriz de São Sebastião, hoje Santuário, o responsável por aguçar os sentidos dos futuros artistas. As pinturas sacras, os acabamentos, os vitrais, a iluminação transcendental, as texturas?

Letícia e Cirilo contam que, não raras as vezes, eles se abstraiam dos ritos religiosos para contemplar as belezas dos quatro cantos do templo. Segundo o que relatam, Narciso, marceneiro e avô paterno dos gêmeos, teria participado da construção do suntuoso amadeirado teto da Igreja. O famoso escorregador aos pés de Pedro e Paulo também fez parte da infância dos artistas que, como muitas outras crianças, se divertiram com os repetidos deslizes da construção.

O fascínio pelo espaço não se encerrou na infância, até hoje quando no Centro da cidade, o Santuário é visitado pelos irmãos na expectativa de contemplar o cintilar das cores transpassando os vitrais laterais. Sentidos, cores e texturas?

A atenção aos detalhes, ao manual, às formas, à beleza das coisas, foi em grande parte influenciada, na visão dos irmãos, pelos seus avós. Dona Leonor, companheira de seu Narciso, era uma caprichosa crocheteira profissional. Do lado materno, Vó Laura e Vô Zé também influenciaram o lado artísticos dos gêmeos, ela com "o olhar bonito para a vida", atenta aos detalhes por mais simples que fosse, ele frequentando um grupo de Catira, na companhia do seu José Reginaldo, do Roberto Lara e do Doca Tangerina.

Claro que a arte milenar da cerâmica que transforma o barro em peça de contemplação também influenciaria os sentidos dos jovens artistas. A consagração destas influências está presente na obra "Um brinde a nós e ao lugar em que estamos", 2013 (acrílica sobre tela, 60 x 100 cm - díptico), que retrata jovens amigos brindando em xícaras de café com uma série de referências a cidade ao fundo, como a igreja, a ponte metálica, a bandeira, os barcos, os azulejos, a cerâmica.

O processo produtivo dos artistas se dá, como eles definem, "a quatro mãos e duas cabeças, da concepção à execução" e as vivências, os zooms do cotidiano são algumas das suas características mais marcantes. Conhecedores do meio, os irmãos destacam o potencial local: "a gente que tá mais ligado ao setor cultural, a cidade tem muita potência, tem gente muito boa aqui", comentam. E reforçam a importância de parcerias público privadas, junto aos artistas, "para que a área cultural cresça cada vez mais".

Para eles a cultura pode até não ter uma utilidade prática, mas é ela quem torna a vida muito mais leve. E, em especial, neste momento que vivemos. A arte, segundo eles, desperta a visão de mundo, questões internas, e é um canal para se olhar, se observar, se reconhecer como humano.

Ao fim da entrevista, em frases intercaladas, os irmãos gêmeos Letícia e Cirillo resumem com simplicidade poética e sabedoria de um faraó, o que significa a arte para eles. "Uma coisa que eu acho muito bonito de estar em contato com a arte é perceber o quanto ter autenticidade e acreditar na sua voz faz toda a diferença. A arte é a grande força da nossa vida, é o caminho que a gente escolheu trilhar, é a nossa missão de vida".

O projeto Porto de Memórias foi idealizado pelo ferreirense e jornalista Felipe Lamellas e se propõe a contar histórias de vida de personalidades marcantes para a cidade, conhecidas ou não. O objetivo principal é resgatar e preservar a memória da comunidade local, contando histórias, causos e lembranças de membros da sociedade, que se confundem com a própria história da cidade.



Porto de Memórias I Irmãos Tangerina Bruno #11