O afeto umedece a alma seca e enxuga a molhada

Coluna publicada no JORNAL DO PORTO dia 28-5-2021

	O afeto umedece a alma seca e enxuga a molhada

Perdemos nosso tio João Roberto Bellini domingo. Mas ganhamos a vida inteira por tê-lo na família e em nossas almas. Meu tio João era o "tio bonito", o tio alegre, o tio que "gostava da gente". Minha filha Julia disse-me, "que bom que fomos vê-lo em dezembro de 2019, conheci uma linda pessoa".

O tio era um parceiro das peripécias da vida, comuns ou incomuns. Ao chegar em Porto Ferreira, sempre a mesma pergunta, "e o tio João?", o tio sempre presente para conversar e, sobretudo rir. Restituir o tempo sem ele nos dias geograficamente distantes, os sentimentos pessoais de família, afetos e piadas. Rir reatava meu vínculo com ele. Nada mais revolucionário do que rir, sorrir e encorajarmo-nos a continuar nessa existência onde tropeçamos com a morte algum dia.

Meu tio João era o que dizia Spinoza sobre os encontros bons. Aqueles encontros que oferecem imagens positivas e afirmativas da vida. Agora, com sua morte, temos sua alma imbricada nas nossas, plenas de ensinamentos como serenidade diante de alguns duros fluxos da existência, calma, positividade e liberdade para ser.

Muitos se perguntarão, como eu mesma já o fiz, o que morrer significa. Voltamos ao pó. No entanto, ficamos, de algum modo, mostrando a potência humana na ação, na dinâmica dos afetos e na liberdade de ser.

João Bellini deixa-nos esse legado. Pessoa simples, humilde, forte nos afetos, ético e alegre. Quando pequena, eu gostava de ouvir suas estórias. Tinha muita imaginação. Caprichoso, fazia cartões com dobras para o Dia das Mães. Governava sua psique nas manifestações artísticas. Mãos artísticas do aprendiz em gráfica que o levaram ao jornal durante décadas.

A lição que meu tio João deixa é buscar os afetos alegres, como Spinosa. Aumentar a potência de vida e realizar os bons encontros.

É isso que a vida pede da gente e que nosso bom professor João nos ensinou. Tio João foi meu inspirador na família Bellini. É aquela garrafa de vinho de pêssego italiana.

É o imperativo da alegria mesmo que a vida não esteja lá essas coisas. É o aprendizado para novos mundos.

Pessoas como João Bellini dão ao mundo essas preciosidades. João Bellini, o tio bonito, alimentou o fio enigmático da vida com uma lucidez bela e nos permitiu compartilhar sua visão, seu jeito de viver e sua sensibilidade.

Sua vida, agora, é des-tecida, mas permanecerá entre nós como a tessitura da serenidade no fluxo quase violento da existência humana.

Obrigada, tio, por tanto ensinamento e companhia.

*Marta Bellini

*Professora aposentada da Universidade Estadual de Maringá. Com doutorado em Psicologia, mestrado em educação e graduação em Biologia, diletante em Literatura, uma ornitorrinco, tem a sorte de continuar a ser integrante do Grupo de pesquisa Science Studies CNPq-UEM, na mesma universidade, grupo interdisciplinar de pessoas da filosofia, pedagogia, biologia, física, psicologia entre outras áreas. Sindicalistas nos períodos necessários, teve a honra de participar com colegas de duas grandes greves, a de setembro de 2001 a março de 2002, e a de abril-maio de 2015, as duas contra privatização das universidades públicas do Paraná e a última, também contra a reforma da previdência, além, é claro, de lutar da dignidade salarial.