Uma rima brasileira: o dia a dia da pandemia

Coluna publicada no JORNAL DO PORTO dia 16-4-2021

Uma rima brasileira: o dia a dia da pandemia

O noticiário do país imobiliza-nos. Todos os dias as mesmas histórias: faltam vacinas, sedativos, relaxantes musculares, faltam vagas nas UTIs; sobram muitas festinhas clandestinas com diferentes classes sociais, das vilas aos cassinos chiques em São Paulo onde um craque de futebol, valente no campo, correu para debaixo de uma mesa quando viu a polícia.

Uns riem das estórias, outros ficam indignados e assim, dia a dia, naturaliza-se a pandemia; esta existe apenas para quem perdeu alguém da família ou para quem trabalha e pega os ônibus cheios de covid-19 como numa roleta russa esperando sua vez de adoecer.

Os governantes de todas as esferas ajudam nessa naturalização. Parece-nos que a morte não é novidade no Brasil. Morre-se de tiros que ninguém sabe de onde saem; morrem negros, os feminicídios aumentam, matam-se crianças nas classes sociais mais abastadas, desaparecem crianças nas classes mais pobres. Morremos, agora, de covid-19, como se fosse uma "gripezinha". Essas notícias misturam-se nas TVs, jornais e rádios. Tudo é igual. Tudo é natural.

Os representantes políticos da res-pública falam nas telas midiáticas. Às vezes, lembram-se de lamentar as mortes. Estão atomizados pela política da economia ultraliberal que massacra os nossos direitos, pelos interesses de aumentar a venda de armas, pelo empenho na taxação de livros (pois segundo o economista - mor, pobres não leem), pela reforma administrativa que liquida as universidades públicas e outros serviços, pela venda de cloroquina e ivermectina. Não há defesa do bem comum, defendem – se individualmente para a eleição de 2022.

O congresso e o senado resumem-se em disputas de interesses privados, vinculados à satisfação imediata de direitos particulares e de grupos partidários trocando favores. É a inércia, o luxo (de quem compra carros caros, mansões com salário de senador, apartamentos em Miami). Apagam o país. Só entrarão em Miami, não mais na França desde terça-feira desta semana.

Enquanto isso, a pandemia carrega as almas. Elas não importam aos governantes. Os apetites mais primários governam os homens do planalto central. Uma frase mais dura: a morte nos governa. O interesse privado engole as necessidades básicas dos cidadãos comuns. Banalidade, eis o nome da morte. Nesse mar de falecidos, o presidente assinou a venda de seis armas por pessoa. Nesse oceano da covid-19 os alimentos subiram de preço. Nesse país continental pela primeira vez o número de mortos é maior que o número de nascimentos.

O ministro da economia promete um país diferente. Não disse que a diferença é entregar os espaços públicos aos banqueiros, aos empresários, aos grupos gulosos de lucro e consumo. Não foi assim que um grupo privatista quis comprar vacinas para os seus?

O espaço da população é o da desigualdade e da crise. O nome disso também é corrupção. Corrupção de costumes que retira das pessoas seus direitos à sobrevivência, à leitura, à escola, à liberdade, ao trabalho digno.

Esses governantes – do presidente ao distante vereador – são tiranos, querem seu império às custas do quinhão daqueles que trabalham. São senhores violentos, impõem a morte e calam o país.


Marta Bellini

*Professora aposentada da Universidade Estadual de Maringá. Com doutorado em Psicologia, mestrado em educação e graduação em Biologia, diletante em Literatura, uma ornitorrinco, tem a sorte de continuar a ser integrante do Grupo de pesquisa Science Studies CNPq-UEM, na mesma universidade, grupo interdisciplinar de pessoas da filosofia, pedagogia, biologia, física, psicologia entre outras áreas. Sindicalistas nos períodos necessários, teve a honra de participar com colegas de duas grandes greves, a de setembro de 2001 a março de 2002, e a de abril-maio de 2015, as duas contra privatização das universidades públicas do Paraná e a última, também contra a reforma da previdência, além, é claro, de lutar da dignidade salarial.