4.200 morremos ontem

Fotos disponíveis no Jornal do Porto impresso do dia 9-4-2021

4.200 morremos ontem

*Marta Bellini

Para escrever esta Coluna pensei em Josué de Castro, médico e geógrafo recifense, e seu livro "Homens e Caranguejos". Pensei em São Bernardo, de Graciliano Ramos. Em Darcy Ribeiro, "O povo brasileiro". E, lembrei-me de João Ubaldo, "Viva o Povo brasileiro", a bem-humorada crítica às instituições do Brasil e seus mandatários. De maneiras diferentes – romances ou ensaio - todos os livros tratam das elites brasileiras e do povo.

De modo análogo às descrições destes quatro livros, as elites brasileiras são um pouco a personagem de Paulo Honório, de São Bernardo; os homens caranguejos morrendo e sendo comida de caranguejos e os caranguejos sendo alimento deles, de Josué de Castro. Somos o povo brasileiro que – a cada rebelião por direito à comida, à moradia etc – é punido pelas elites e somos "Viva o povo brasileiro" que humilhado, banido e desacolhido, ainda é alegre.

Vejamos esses livros em ação.

Da semana passada ao início desta semana (escrevo sempre às quartas) vemos o congresso aprovando vacinas para empresas privadas que estão aflitas para ver sua produção ser efetivada e vendida mesmo sabendo que os cuidados com as máscaras, álcool em gel e distância solidária devem continuar. Vão obedecer às regras sanitárias? Minha resposta pensando no passado das elites: - Não. Até porque nesse momento mais crítico da pandemia em nada colaboraram com os trabalhadores. Outra angústia minha com esta medida do congresso: vão tentar dinamitar o SUS? Não duvido.

Outro evento no meio da pandemia foi a viagem do presidente ao sul do país. Essa semana o presidente e seu corpo de assessores foram ao sul do país ver as cidades como Chapecó, SC para vender a ideia de que nesta urbe – sem lockdown - não houve muitas mortes. Eu não sei qual rede de informação os governantes souberam dessa estatística. Na leitura de sites não governamentais, esta cidade não tem mais vagas nas UTIs.

Um evento de deixar a gente vermelha de vergonha foi um dos ministros do STF conceder liminar às igrejas para realizar missas na semana da Páscoa. Não precisamos ser médicos para dizer que ele também conferiu livre passagem ao coronavírus.

Os três episódios são a leitura do passado para esse futuro sanitário e político incerto. Não importa se morremos com 4200 pessoas apenas em um dia. Nas estatísticas das elites a porcentagem de mortos da terça-feira, dia 6/4, é ínfima. Não importa quanto caranguejos os homens pegam para suas únicas refeições e não importa quanto homens caem mortos nos mangues para os caranguejos comerem.

Não se preocupam com o coronavírus voando pelo território brasileiro, as viagens governamentais ornam com o descaso das elites. Quem se envolve nessa briga? Ninguém se envolve com o debate dos gastos de R$ 2,4 milhões em 24 horas de descanso do chefe federal. O congresso apenas se importa com auxílio emergencial de R$ 150 reais e R$ 250 reais. Darcy Ribeiro poderia incorporar essas histórias de descaso e mortes em seu livro se vivo estivesse.

Perto do ponto de não retorno às condições sanitárias ser inviável, as elites escrevem cartas. Carta dos economistas e empresários, carta de cinco candidatos à presidência em 2022 e vagos pronunciamentos dos dois presidentes, do senado e do congresso sobre vacinação. Eu rio, mas de amedrontada que estou.

*Professora aposentada da Universidade Estadual de Maringá. Com doutorado em Psicologia, mestrado em educação e graduação em Biologia, diletante em Literatura, uma ornitorrinco, tem a sorte de continuar a ser integrante do Grupo de pesquisa Science Studies CNPq-UEM, na mesma universidade, grupo interdisciplinar de pessoas da filosofia, pedagogia, biologia, física, psicologia entre outras áreas. Sindicalistas nos períodos necessários, teve a honra de participar com colegas de duas grandes greves, a de setembro de 2001 a março de 2002, e a de abril-maio de 2015, as duas contra privatização das universidades públicas do Paraná e a última, também contra a reforma da previdência, além, é claro, de lutar da dignidade salarial.