Jorge Mautner chega aos 80 anos com obra musical mais leve do que a filosofia do artista

Jorge Mautner chega aos 80 anos com obra musical mais leve do que a filosofia do artista
? ANÁLISE – Nascido em 17 de janeiro de 1941, o multimídia artista carioca Henrique George Mautner – Jorge Mautner, no universo pop brasileiro – chega aos 80 anos com obra mais adensada no campo filosófico do que musical.

Escritor desde os 15 anos, Mautner alcançou visibilidade nacional na década de 1970 graças a conexões feitas com os então novos baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil na Inglaterra, país em que todos se exilaram para respirar ares mais democráticos (no caso dos baianos, por imposição do governo ditatorial dos anos 1960).

Na volta ao Brasil, Gil foi o primeiro a dar voz ao maior sucesso do cancioneiro autoral de Mautner, Maracatu atômico (1973), a mais famosa das parcerias do compositor com Nelson Jacobina (1953 – 2012), grande amor musical de Mautner.

Naquela altura, Gil já tinha virado parceiro de Mautner, com quem fez músicas como Crazy pop rock (1971) e O rouxinol (1975), entre outras composições.

Bem mais tarde, em 2012, Caetano chegou a gravar álbum com Mautner, Eu não peço desculpa, do qual saiu o sucesso alternativo Todo errado (Jorge Mautner, 2012).

Na área fonográfica, a obra de Mautner inclui alguns álbuns relevantes, notadamente Para iluminar a cidade (1972), Jorge Mautner (1974) e o recente Não há abismo em que o Brasil caiba (2019), gravado com os músicos do grupo carioca Tono.

Contudo, há poucas canções de Mautner que extrapolam o nicho intelectual em que a produção do artista é consumida. Lançada por Gal Costa no álbum Cantar (1974) e revivida pela cantora no show A pele do futuro (2018 / 2019), Lágrimas negras – outra parceria de Mautner com Jacobina – é uma delas.

Outra é O vampiro (composta em 1958 e lançada em disco em 1988, 30 anos depois), música somente de Mautner. Pode-se apontar também a beleza poética da canção Estilhaços de paixão (1997), outra música da lavra solitária do artista.

Ainda assim, sempre pairou no ar a impressão de que, na trajetória de Mautner, a música é primordialmente a plataforma para a exposição de pensamentos filosóficos e ideologias políticas do filho do Holocausto, como o artista se denomina por ser fruto da união da iugoslava Anna Illich e do judeu austríaco Paul Mautner, casal refugiado no Brasil para escapar dos horrores da guerra.

Profeta do Kaos, pioneiro tropicalista (na visão generosa do amigo Caetano Veloso), Jorge Mautner é personalidade bendita entre nobres dinastias da MPB e, mesmo que tenha sido amaldiçoado pelo sistema, jamais pagou o preço alto cobrado a contemporâneos dissidentes como Jards Macalé e Luiz Melodia (1951 – 2017). Talvez por ser, em essência, um filósofo que deixou pensamentos mais fortes nos livros do que nas músicas.