Nina Wirtti abre alas como compositora ao cair com verve no samba 'Loka'

Nina Wirtti abre alas como compositora ao cair com verve no samba 'Loka'

Cantora saúda a liberdade feminina no primeiro single autoral, atualizando com frescor temas de outros Carnavais. Capa do single 'Loka', de Nina Wirtti

Hugo Germano

Resenha de single

Título: Loka

Artista: Nina Wirtti

Compositores: Nina Wirtti e Iara Ferreira

Gravadora: Fina Flor

Cotação: * * * * *

? Nina Wirtti abre alas e pede passagem como compositora no Carnaval de 2020. Embora já tenha tido gravadas duas músicas autorais, Mãos vazias (por Luka em 2006) e Teus olhos – Bolero de cetim (pelo parceiro Marcos Sacramento em 2019 com participação de Nina), a artista gaúcha era "somente" ótima cantora até este mês de fevereiro.

Uma cantora que mostrou afinação e bom gosto para selecionar os repertórios dos álbuns Joana de Tal... (2012) e Chão de caminho – Voz e bandolim (2017), ambos discos primorosos por abordar com frescor tradições da música brasileira, especialmente do samba pré-Bossa Nova, sendo que o repertório do segundo álbum extrapolou as fronteiras nacionais.

Loka – primeiro single autoral de Nina Wirtti, lançado no sábado pré-carnavalesco, 15 de fevereiro – apresenta oficialmente a compositora e funciona como sedutor cartão-de-visitas da obra autoral da artista.

Samba de espirito carnavalesco composto por Nina em parceria com a letrista paulista Iara Ferreira, Loka põe o bloco feminino na rua sem pedir licença para, citando um dos versos, "gozar e ir à forra". Loka exerce o direito feminino de "viver a liberdade, ganhar as ruas da cidade e se lambuzar de Carnaval", como diz a letra.

Ao se permitir "vestir a fantasia nesses dias tão sem cor" e "beber para esquecer", como enfatiza ao dar voz ao recado da composição, Nina Wirtti cai no samba com consciência social sem esquecer a irreverência foliã.

Sim, Loka vai para as ruas com graça, verve – perceptível já na gíria gay "miga, sua loka" ouvida em afeminada voz masculina na introdução do samba – e modernidade que corteja elegantemente a tradição.

Diretor musical do fonograma editado pela gravadora Fina Flor, Guto Wirtti usa com comedimento sons de sintetizadores que se entranham sutilmente no balanço do samba, embasado pelas percussões de Flora Milito e Marcus Thadeu com o toque harmonioso do cavaquinho de Tiago Souza e com as levadas do cavaquinho e do violão de sete cordas, tocados por Rafael Mallmith, arranjador do single.

Loka tem energia jovial, atual, mas dialoga com Carnavais passados. O caco "Toma que o filho é teu" alude ao samba Nega maluca (Fernando Lobo e Evaldo Rui, 1950), com o qual a cantora Linda Batista (1919 – 1988) foi para a rua há 70 Carnavais.

Contemporânea de Linda, a empoderada Aracy de Almeida (1914 – 1988) foi a inspiração de Nina Wirtti para compor Loka, mais especificamente por conta da gravação de Louco (Ela é seu mundo) (Wilson Baptista e Henrique de Almeida, 1947), samba lançado por Aracy há 73 anos.

Com Loka, Nina Wirtti abre alas como compositora e sobressai no bloco, se mantendo na folia com a liberdade de ficar com um pé no presente e outro no passado, sem jamais atravessar o samba.