Martinho da Vila levanta bandeiras ao orquestrar sinfonia do samba em disco ao vivo

Capa do álbum 'Martinho 8.0 ao vivo - Bandeira da fé: um concerto pop- clássico' Divulgação

Capa do álbum 'Martinho 8.0 ao vivo - Bandeira da fé: um concerto pop- clássico' Divulgação

Resenha de álbum

Título: Martinho 8.0 ao vivo – Bandeira da fé: um concerto pop-clássico

Artista: Martinho da Vila

Gravadora: Sony Music

Cotação: * * * 1/2

Com álbum já pronto sobre o Rio de Janeiro, como revelou em entrevista ao G1, Martinho da Vila completou 82 anos na quarta-feira, 12 de fevereiro. Mas ainda tinha 80 quando subiu ao palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro em novembro de 2018 para fazer show de moldura sinfônica baseado no repertório do então recém-lançado álbum Bandeira da fé, apresentado em outubro daquele ano de 2018.

A idade do artista fluminense na época justifica o título do álbum Martinho 8.0 ao vivo – Bandeira da fé: um concerto pop-clássico, captado no show sinfônico e lançado ontem, dia do 82º aniversário do bamba, em edição digital.

A Orquestra Filarmônica do Rio, sob regência do maestro Leonardo Bruno, deu o tom sinfônico de parte do concerto, também feito por Martinho na companhia de banda formada por instrumentistas de música popular como Alaan Monteiro, Bernardo Arias, Gabriel de Aquino, Gabriel Policarpo e João Rafael.

Nesta sinfonia do samba, de instrumental apurado, o cantor, compositor e ritmista põe a (bem colocada) voz em primeiro plano para levantar bandeiras e princípios que norteiam obra construída com forte consciência social.

Nascido em ambiente rural fluminense e criado na urbanidade de favela carioca, o próprio Martinho da Vila se situa na geografia social brasileira ao se apresentar para o público com o texto biográfico que introduz Meu off Rio (Martinho da Vila, 1994), samba em que saúda a cidade natal de Duas Barras (RJ).

Pianista de formação erudita, Maíra Freitas – filha do artista – adorna Meu off Rio com toque clássico também posto pela cantora e instrumentista no histórico samba-enredo Kizomba, a festa da raça (Rodolpho de Souza, Luiz Carlos da Vila e Jonas, 1987), com o qual a Unidos de Vila Isabel – escola que Martinho José Ferreira carrega no sobrenome artístico – se sagrou campeã do Carnaval carioca de 1988.

A exaltação e o orgulho da negritude pautam parte do concerto "pop clássico", cujo repertório inclui a exaltação de Zumbi dos Palmares, Zumbi (Martinho da Vila e Leonardo Bruno, 2000) e protesto contra o racismo no mix de samba e rap que une Martinho ao convidado Rappin' hood em O sonho continua (Martinho da Vila, Rappin' Hood e Jujuh Ferreira, 2018).

Entre questões políticas, colocadas em cena com a autoridade de quem sempre tomou partido do povo oprimido, o artista celebra e revê a vida em sambas como o autobiográfico Depois não sei (Martinho da Vila, 1981), o sensorial Todos os sentidos (Martinho da Vila, 1981) e o grato A tal brisa da manhã (Martinho da Vila e Luiz Carlos da Vila, 2013).

A qualidade do cancioneiro reunido por Martinho no show oscila porque recicla em grande parte o repertório do álbum Bandeira da fé, disco valorizado mais pela magnitude ideológica do que propriamente pela (moderada) sedução da safra autoral deste compositor dono de obra genial.

Alguns pilares dessa obra, como Casa de bamba (Martinho da Vila, 1968), sustentam a empatia do público ao fim da gravação ao vivo, com direito a coro popular que jamais abafa o tom político do álbum.

A sinfonia do samba de Martinho da Vila toca em questões sociais com a sabedoria desse bamba octogenário que se sente em casa no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.