Tom Zé ganha coletânea editada em CD com gravações realmente raras dos anos 1960 e 1970

Tom Zé ganha coletânea editada em CD com gravações realmente raras dos anos 1960 e 1970
Seleção destaca registro ao vivo de música defendida pelo cantor com o grupo Novos Baianos em festival de 1969. ? Quando editadas com critério, coletâneas com fonogramas avulsos da obra de um artista costumam atrair a atenção dos seguidores desse artista e sobretudo de colecionadores de discos que valorizam mídias físicas. É de olho nesse fiel nicho do mercado fonográfico que a gravadora Warner Music edita em CD, nesta segunda quinzena de outubro de 2020, compilação de Tom Zé intitulada Raridades.

Idealizada e produzida pelo jornalista e pesquisador musical Renato Vieira, a coletânea foi lançada em edição digital em 16 de setembro. Contudo, é na edição em CD que o projeto fonográfico adquire pleno sentido pela ficha técnica e por contextualizar as 14 faixas da compilação em texto escrito por Vieira para o encarte com informações sobre as procedências das gravações.

Desses 14 fonogramas, lançados originalmente pelas já extintas gravadoras RGE (cujo acervo pertence à Som Livre) e Continental (adquirida pela Warner Music em 1993), 12 são registros realmente raros da discografia de Tom Zé, produzidos entre 1969 e 1976.

As outras duas gravações figuram como bônus por envolverem o cantor, compositor e músico baiano, mas por serem registros de outro artista – no caso, de uma cantora da noite chamada Betina que, em 1973, lançou single duplo (compacto simples, no jargão fonográfico da época) com duas músicas de Tom Zé, gravadas com arranjos, regências e vocais do artista.

Uma música era a então inédita Que bate calado, reapresentada três anos depois por Tom Zé no álbum Estudando o samba (1976) com o titulo trocado para Dói. A outra música era O anfitrião, lançada pelo autor no ano anterior no álbum Tom Zé (1972).

Após esse compacto, Betina sumiu sem deixar rastro. Tom Zé, após amargar anos de injusto ostracismo, voltou à tona no fim dos anos 1980 e retomou a discografia a partir da década de 1990. O que justifica ainda mais a produção dessa compilação de gravações obscuras do artista.

Capa da coletânea 'Tom Zé – Raridades'

Divulgação / Warner Music

Valorizada pela boa qualidade dos áudios dos fonogramas (sendo que seis foram tirados de matrizes já digitalizadas e os demais foram extraídos de cópias de discos de vinil), todos remasterizados por Ricardo Garcia, a coletânea Tom Zé – Raridades agrega gravações feitas pelo cantor para singles e para projetos especiais.

Uma das preciosidades é a gravação da valsa A dama de vermelho (Pedro Caetano e Alcyr Pires Vermelho, 1943), apresentada na voz do cantor Francisco Alves (1898 – 1952) e revivida por Tom Zé, após 33 anos, em gravação feita para a trilha sonora da novela Xeque-mate, exibida pela TV Tupi em 1976.

Músicas lançadas em 1969 no single que marcou a estreia de Tom Zé na gravadora RGE, após um primeiro álbum solo editado em 1968 pelo selo AU – Artistas Unidos (vinculado à gravadora Rozenblit), Você gosta? (parceria com Hermes Aquino) e Feitiço (Tom Zé) fazem menos jus ao status de raridades porque ambas as gravações já tinham sido reeditadas em CD, em 1997, em coletânea de Tom Zé na série 20 preferidas, da RGE, mas são fonogramas importantes e já esquecidos.

Efetivamente mais precioso é o registro ao vivo de Jeitinho dela (Tom Zé), captado em 1969 em apresentação do cantor com o grupo Novos Baianos no V Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record. O fonograma até então estava disponível somente no LP Estamos com os onze no V Festival da Música Popular Brasileira, lançado via RGE e logo retirado de catálogo.

O encontro de Tom Zé com os Novos Baianos é emblemático porque, cabe lembrar, foi Tom Zé quem, em 1967, apresentou Moraes Moreira (1947 – 2020) – para quem dava aulas de violão – ao poeta Luiz Galvão, se tornando o mentor da parceria fundamental que gerou o grupo em 1969.

Música também defendida por Tom Zé no mesmo festival de 1969, Bola pra frente reaparece em Raridades no registro feito pelo autor em single editado naquele mesmo ano de 1969. Já Irene (Caetano Veloso, 1969) ganhou a voz de Tom Zé em gravação feita para compacto lançado em 1971.

O fonograma é menos raro, pois já foi incluído em coletâneas editadas em LP, mas a inclusão em Raridades é justificada por ser a única música de Caetano Veloso gravada por Tom Zé (descontada a também única parceria dos dois artistas, A pequena suburbana, gravada pelos cantores em 2014 para álbum de Tom Zé).

Já as músicas Silêncio de nós dois (Tom Zé) e Senhor cidadão (Tom Zé) são oriundas de single de 1971 resultante da participação de Tom Zé em concurso de incentivo à MPB promovido pela apresentadora Hebe Camargo (1929 – 2012). Detalhe: a versão de Senhor cidadão de 1971 é a original e difere da gravação feita pelo cantor para o álbum de 1972.

Da mesma forma, os registros de A babá (Tom Zé, 1972) e do conhecido samba Augusta, Angélica, Consolação (Tom Zé, 1973) incluídos no CD Raridades são as gravações originais de compactos. Aliás, a coletânea Raridades também abarca o lado B do single duplo que apresentou o samba trouxe Quem não pode se Tchaikowsky (1973), parceria de Tom Zé com Odair Cabeça de Poeta.

Há ainda a gravação original de Contos de fraldas (Tom Zé), música lançada pelo artista em 1974 – em single dividido por Tom Zé com o artista cearense Tiago Araripe – dez antes da regravação feita para o álbum Nave maria (1984).

Mesmo que o pesquisador Renato Vieira tenha sido obrigado a omitir uma ou outra gravação preciosa de Tom Zé por questões jurídicas, caso de Nancy / Olhos azuis (Bruno Arelli e Luís Lacerda, 1976), a edição (em CD) da coletânea Tom Zé – Raridades presta excelente serviço à memória fonográfica nacional por reconstituir passos do cantor que já tinham sido apagados na poeira do tempo.