2020 termina seu mandato como um ano horribilis, tanto para os críticos do presidente do Brasil como para seus apoiadores. Chegamos a dezembro de 2020 cansados e desanimados; os opositores pela destruição ou pela tentativa de demolição de todos os direitos conquistados há mais de 60 anos. Os aliados, também cansados, pois, a todo minuto, são convocados pelo seu líder para brigar por causas às quais são estranhas ao bem-estar da população como, por exemplo, negar vacinação.
Enquanto isso, passamos por uma pandemia com uma multidão de pessoas querendo festejar a passagem do ano com promessas de felicidade, de esperança, de novos começos sem saber mesmo porque querem a continuidade de uma sociedade escancaradamente triste.
Por que queremos abraçar o vazio? Por que não fazer reflexão desses maus tempos? Quando perdemos o respeito pelas mortes de iguais? Por que temos medo do silêncio no final do ano? Por que nos jogamos às compras como nos atiramos à vida? Por que nos deixamos levar pela fanfarronice do presidente? Quando perdemos a nossas emoções diante das mortes pela Covid-19, pelos tiros em crianças em frente de suas casas, pela fome aumentada diante da inflação?
Nossos cumprimentos são dados pelas palavras "sucesso", "progresso", e os noticiários acrescentam o "mercado". Ouvi uma jornalista dizer "Ontem, eu conversei com o mercado". Delimitamos nossos corpos e almas pelas invenções semânticas das Tvs. A jornalista não conversou com o mercado, ela falou com empresários e banqueiros, esses senhores preocupados com seus lucros.
Em plena pandemia as igrejas "cristãs" quase abocanharam R$ 16 bilhões das escolas e professores dos estados mais pobres, do FUNDEB. Esse é o mercado, o senhor divino da gula política e da fome de humanos. Não há sucesso possível, nem progresso e nem mercado possíveis sem justiça e vida.
Nossa civilização ocidental e sua psicologia de expansão e seu desenvolvimento ilimitado há muito chegou ao seu fim. A covid-19 é um dos pequenos indícios disto. Removemos as florestas, seus moradores vêm a nós. A cada animal queimado vivo na Amazônia ou nos cerrados, elos de vida se desmancham e farão falta ao planeta.
Neste final de ano, vemos, no Brasil, muito do final das luzes. Temos instituições consagradas e muitos bens materiais (que o ministro quer doar aos aliados capitalistas) de mãos dadas ao empobrecimento da vida em muitos aspectos: o consumismo desenfreado, seja qual for a mercadoria, a exigência da satisfação imediata como querem donos de bares em plena pandemia, o sexo instantâneo, o desleixo profundo com os desprovidos de emprego e existência.
Pior, como disse Luigi Zoya, em História da arrogância, queremos eliminar, também, a experiência da morte ao pedir ao "moribundo que saia da vida na ponta dos pés".
Me despeço esta semana com Carlos Drumond de Andrade.
José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Marta Bellini
*Professora aposentada da Universidade Estadual de Maringá. Com doutorado em Psicologia, mestrado em educação e graduação em Biologia, diletante em Literatura, uma ornitorrinco, tem a sorte de continuar a ser integrante do Grupo de pesquisa Science Studies CNPq-UEM, na mesma universidade, grupo interdisciplinar de pessoas da filosofia, pedagogia, biologia, física, psicologia entre outras áreas. Sindicalistas nos períodos necessários, teve a honra de participar com colegas de duas grandes greves, a de setembro de 2001 a março de 2002, e a de abril-maio de 2015, as duas contra privatização das universidades públicas do Paraná e a última, também contra a reforma da previdência, além, é claro, de lutar da dignidade salarial.