As Quitandas do governo

Edição impressa do dia 16-10-2020

No Brasil temos boi da cara preta; boi de botas, a dos fazendeiros-ostentação; boi voador, o da música do Chico Buarque; boi bumba; boi-zumbi; boi de reis; e, agora, o boi do ministro do meio ambiente e da ministra da agricultura, o boi bombeiro.

Para estes senhores o boi bombeiro impedirá novos incêndios no Pantanal. Os ministros esqueceram-se das patas do boi. Cada pisoteio individual gera perda de muita água do solo e em grupo, o gado é mais poderoso, ele compacta o solo. Sem água, sem as bactérias do bem para as plantas, sem pasto. O fogo pode vir e, se vier, torrará tudo. Pátria torrão.

Nesta parte da quitanda, zero em ecologia e experiência em agricultura.

Em 1988 nasceu o Sistema Único de Saúde. Está contemplado na Constituição Cidadã de 1988. Em 1990, o SUS foi regulamentado pelo congresso e todos os preceitos para seu funcionamento funcionam até hoje. No entanto, nesta quitanda, o ministro da saúde não sabia até alguns dias passados o que era SUS. Onde estava o ministro da saúde em 1988? Em 1963 estava no berço, ano em que nasceu. Em 1984, estava se formando nas Agulhas Negras.

Em 24 de novembro de 2015, o site do senado federal, publicou a notícia do Jornal do Brasil, "Do quartel para o Ferro-Velho, acerca do possível maior desvio de munição da história do exército brasileiro. O ministro era o comandante do deposito central de munição do exército brasileiro. Coordenou as tropas do exército nos jogos olímpicos de 2016 e de 2018 a 2019, serviu em Roraima e coordenou dos refugiados da Venezuela.

Como ministro da saúde afirmou que no norte do brasil como é próximo do norte do planeta, é mais frio e não haveria problema da covid-19. Um problema de mapa mundi defeituoso.

Mas, ainda temos duas questões pontuais no histórico do ministro: a Agência Sportlight descobriu que o ministro alegou "uso não comercial" um contrato de treze anos com a Infraero e uma empresa que faturava R$6 mil reais por aluno de paraquedismo.

A outra: em maio de 2020, o site Diário do Centro do Mundo revelou que o ministro colocou um soldado para puxar carroça no lugar do cavalo.

Enfim, não conhecia o SUS. E continua não conhecendo, pelo que vemos. Seu rumo não é a saúde.

Na quitanda da educação, voltamos para o século XIX. Educação da vara. Vara nos filhos para correção, com trecho cópia fiel da bíblia cristã. Exclusão de crianças com deficiências físicas e intelectuais. No mais, escola para o ministro deve ser o prédio. Que, digamos, os prédios estão caindo como o ministério.

Como nessa semana tivemos o Dia do Professor, não custa lembrar que o ministro da educação disse que, nos dias de hoje, ser um professor, é quase uma declaração de que a pessoa não conseguiu fazer outra coisa. Vale para ministro da educação. Não conseguiu ser outra coisa, foi ser ministro para esculhambar o ensino.

Por fim, nesta quitanda temos a barraca do vice-presidente. Imitando o ministro do meio ambiente e este ministro, o vice. Ambos insistem em chamar manifestantes ambientalistas e professores de "maconheiros". De onde tiram este jargão? Da velha guarda brasileira e conservadora da década de 1960/1970. A Cannabis sativa ou maconha, a droga polêmica, provavelmente apareceu em registros há 27 mil anos atrás no Afeganistão e na Índia. Usada como medicamento para prisão de ventre, reumatismo, malária, malária e cólicas menstruais também era usada para a busca de iluminação espiritual.

Os gregos e romanos usaram para fabricação de tecido, de papel, óleo e como cigarro também. No seriado Roma, vemos um breve diálogo sobre essa planta estranha vinda da Mesopotâmia.

No século XIX, o uso era comum entre artistas e escritores franceses. Também era fármaco para curar dores do corpo e problemas pulmonares. Pessoas ilustres como Balzac, Dumas, Baudelaire, Victor Hugo, Eugene Delacroix fumavam a cannabis; acreditavam na cura de doenças neurológicas.

Nos EUA e na América do Sul a maconha era vendida nas farmácias. Era uma droga lícita e economicamente importante para os países. Era usada por todos e, principalmente, pelas classes sociais mais pobres como ex-escravos, índios e imigrantes nos bairros e ruas das cidades maiores.

Mas, não demorou para que médicos, polícias e higienistas tomassem medidas para controlar o uso da cannabis pela população pobre. As elites criaram delegacias, inspetoria de entorpecentes para reprimir práticas religiosas indígenas e africanas com uso da erva. A ilegalidade da maconha foi instituída para as populações pobres. Não é uma história nobre; é uma história de repressão aos mais pobres e aos diferentes. A polícia apenas reprimia essa população.

Não é à toa que o ministério do meio ambiente e o vice-presidente chamam os ambientalistas, professores ou qualquer outro grupo de manifestantes de maconheiros. Faz parte da velha estratégia militar e policial acabar com a reputação e a liberdade daqueles que têm coragem para gritar contra a depredação do Brasil. Mas é uma estratégia tola, envelhecida, infantil.

Não compremos esses produtos.

*Marta Bellini

*Professora aposentada da Universidade Estadual de Maringá. Com doutorado em Psicologia, mestrado em educação e graduação em Biologia, diletante em Literatura, uma ornitorrinco, tem a sorte de continuar a ser integrante do Grupo de pesquisa Science Studies CNPq-UEM, na mesma universidade, grupo interdisciplinar de pessoas da filosofia, pedagogia, biologia, física, psicologia entre outras áreas. Sindicalistas nos períodos necessários, teve a honra de participar com colegas de duas grandes greves, a de setembro de 2001 a março de 2002, e a de abril-maio de 2015, as duas contra privatização das universidades públicas do Paraná e a última, também contra a reforma da previdência, além, é claro, de lutar da dignidade salarial.